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Opinião: O veneno do populismo

Martin Muno
Martin Muno
16 de setembro de 2020

A política populista está destruindo os fundamentos das sociedades democráticas. Seus efeitos são tão tóxicos como em países que envenenam seus opositores, opina o jornalista Martin Muno.

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump
Foto: Reuters/J. Ernst

Há regimes em que os membros da oposição são envenenados. São ações assassinas, com um objetivo claro: a voz que desagrada é silenciada, e ao mesmo tempo o medo é despertado entre seus correligionários. Mas também em democracias os governos trabalham com veneno. Neste caso, porém, não são substâncias químicas que fazem vítimas: o veneno em questão é furtivo, não é mortal para os indivíduos, mas destrói a base da coexistência social.

Dois exemplos dos últimos dias mostram o que isso significa: quando confrontado durante visita à área de desastre da Califórnia com comentários de que os incêndios florestais estavam de fato relacionados com o aumento da temperatura e, portanto, com a mudança climática causada pelo homem, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse, laconicamente: "Vai ficar mais frio novamente, você vai ver." Ele não acredita "que a ciência realmente saiba" o que está fazendo.

Enquanto Trump, mentiroso notório, coloca suas crenças particulares à frente das descobertas da ciência, seu filho adotivo em espírito, Boris Johnson, quer distorcer a lei – e de uma forma única, pelo menos na história britânica recente: ele apresentou à Câmara dos Comuns um projeto que violaria as disposições juridicamente vinculativas do acordo de saída da União Europeia. O espanto de grande parte do público e de quatro de seus antecessores ele prefere ignorar.

Mas o que tudo isso tem a ver com veneno? A política populista, para a qual Trump e Johnson são quase paradigmas, está destruindo os fundamentos das sociedades democráticas. Seus efeitos são quase tóxicos.

Pois as democracias se baseiam no discurso racional sobre uma realidade que é reconhecida por todas as partes. Esse discurso leva a decisões legalmente vinculativas em procedimentos reconhecidos – muitas vezes acordos dolorosos para todas as partes envolvidas.

Os populistas combatem esses pilares em todos os níveis: negam a realidade até que um debate argumentativo não seja mais possível. Bibliotecas inteiras de estudos científicos sobre a mudança climática ficam então no mesmo nível da afirmação arrogante de que "vai esfriar novamente". O mesmo método pode ser aplicado na pandemia: a frase "o vírus acabará desaparecendo" segue a mesma lógica insana.

E se nada disso ajudar, basta simplesmente ignorar as leis e tratados. A violação atualmente planejada dos tratados da UE não é a primeira tentativa de Johnson de distorcer a lei. Há cerca de um ano, ele tentou mandar a Câmara dos Comuns, que discordava dele, para uma pausa forçada e só foi contido pela Suprema Corte. Resta saber se a Justiça ou o Parlamento vão impedi-lo de infringir a lei novamente.

Os efeitos tóxicos de anos de governo populista estão sendo vistos atualmente nos EUA. Quando um debate objetivo entre democratas e republicanos se torna cada vez menos possível, quando se pensa seriamente que o resultado das eleições presidenciais de novembro pode não ser reconhecido, quando milícias armadas patrulham as ruas, não se está mais tão longe de uma guerra civil mental.

O populismo está envenenando sociedades inteiras – seja nos EUA, Reino Unido, Polônia, Hungria ou Brasil. E aproxima esses países daqueles onde os membros da oposição são literalmente envenenados.

Martin Muno é jornalista da Deutsche Welle. O texto reflete a opinião pessoal do autor, e não necessariamente da DW.

Martin Muno
Martin Muno Imigrante digital, interessado em questões de populismo e poder político.