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O principal capital do chileno Kast é o medo

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Emilia Rojas Sasse
22 de novembro de 2021

Candidato da extrema direita que defende ditadura de Pinochet obteve um resultado eleitoral no primeiro turno que era impensável há apenas alguns meses. Um preocupante sinal de alerta no Chile, escreve Emilia Rojas.

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José Antonio Kast faz V de vitória com a mão direita
"No discurso de comemoração da sua vitória no primeiro turno, ele [Kast] enfatizou mais uma vez seu slogan de ordem e paz e de rigor contra o crime, o tráfico de drogas e o terrorismo"Foto: Esteban Felix/picture alliance/AP

Desta vez, as pesquisas estavam certas: haverá segundo turno nas eleições presidenciais do Chile e ele será disputado pelos candidatos previstos, Gabriel Boric e José Antonio Kast. Mas a vitória do último, situado na extrema direita do espectro político, não deixa de surpreender em um país que há alguns meses viu um forte ressurgimento da esquerda, com um projeto constitucional de grandes mudanças.

Como entender essa virada, esse pêndulo errático da política chilena? Como muitas vezes acontece em situações complexas, há várias explicações. Uma aponta para o fracasso dos setores que detêm o poder desde que a democracia foi restabelecida no país. Eles são os grandes perdedores nestas eleições, que confirmam o descrédito dos partidos tradicionais.

A democrata-cristã Yasna Provoste foi o rosto da antiga Concertação, a aliança de centro-esquerda que governou por muito tempo após o fim da ditadura e foi incapaz de se livrar das amarras do modelo econômico imposto por Pinochet. O desencanto cobrou seu preço nas urnas. E Sebastián Sichel, o porta-bandeira do governo, sofreu seu próprio desastre eleitoral, arrastado pelo colapso político de Sebastián Piñera. Um colapso que embaralhou o mapa conservador e foi capitalizado por Kast, que foi capaz de ultrapassar o partido no poder à direita e sacudir a poeira do colapso que estamos vivendo em câmera lenta desde a explosão social.

Temor pela estabilidade do país

José Antonio Kast, um político que não esconde sua simpatia pelo antigo regime militar e lembra figuras como Jair Bolsonaro, conquistou a primeira posição com uma proposta diametralmente oposta à ânsia de mudança expressada nas ruas e encarnada na eleição da Assembleia Constituinte. Um paradoxo. Mas todo processo de mudança profunda é acompanhado de incertezas. E isso assusta não apenas os empresários e pessoas de negócios que temem perder seu paraíso neoliberal, mas também muitos cidadãos de vários estratos socioeconômicos que viram os surtos de violência nos protestos e temem pela estabilidade do país. 

O medo da agitação, da desestabilização, da violência, é o principal capital de Kast. Por isso, no discurso de comemoração da sua vitória no primeiro turno, ele enfatizou mais uma vez seu slogan de ordem e paz e de rigor contra o crime, o tráfico de drogas e o terrorismo. É por isso que ele colocou o dilema entre a liberdade e o comunismo. É uma fórmula antiga que Pinochet usava em sua época e pode ser resumida da seguinte forma: "eu ou o caos". Mas essa estratégia nem sempre funciona. Não funcionou para o próprio general no plebiscito de 5 de outubro de 1988, no qual o "Não" à ditadura venceu, apesar do discurso do medo.

O desafio de Boric

No oposto de Kast está Gabriel Boric. Ele não é o extremista que seu oponente tenta retratar, destacando sempre o apoio que ele tem dos comunistas. Os analistas enquadram esse líder, que surgiu do movimento estudantil, mais na linha da social-democracia europeia. Mas Boric, o candidato que hasteia a bandeira da mudança, terá que redobrar seus esforços para fazer frente aos medos, fundados e infundados, que alimentam a candidatura de Kast. Seu grande desafio será demonstrar seriedade, conter as pressões extremistas de alguns de seus aliados e convencer os chilenos de que um país mais justo é possível, sem cair em aventuras de rupturas. Porque o desejo de paz e segurança é tão legítimo quanto o desejo de justiça social.

Boric fala durante debate presidencial
"Grande desafio [de Boric] será demonstrar seriedade, conter as pressões extremistas de alguns de seus aliados e convencer os chilenos de que um país mais justo é possível, sem cair em aventuras de rupturas"Foto: CNN/AFP

O pêndulo político chileno oscilou à direita no domingo, movido em grande parte por uma sensação de cansaço com a agitação nas ruas e o medo da instabilidade. No entanto, a corrida eleitoral permanece indefinida, apesar do triunfalismo direitista do momento. A direita liberal, de qualquer forma, não deve se alegrar muito, porque o avanço de Kast não é o deles. E o resultado do segundo turno das eleições presidenciais é imprevisível, especialmente em uma cenário que coloca dois candidatos fora dos cânones tradicionais um contra o outro. 

Boric e Kast entram na reta final com dois modelos em disputa, em um Chile que, ao mesmo tempo, está sendo redesenhado em nível constitucional. Esperamos que se compreenda que uma mudança profunda não será possível sem acordos e garantias de paz, e também que a paz não será alcançada por meio da construção de mais prisões, mas por uma sociedade mais justa e inclusiva. Caso contrário, o barril pólvora social não será desativado. E este é um medo fundamentado.

 

O texto reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.