O Brasil poder ter a chave para a paz na Ucrânia? Na semana passada, o presidente russo Vladimir Putin disse, durante o Fórum Econômico em Vladivostok, que o Brasil, junto com a China e a Índia, poderia ter um papel como mediador numa possível negociação de paz com a Ucrânia. "Se houver um desejo da Ucrânia de continuar as negociações, posso fazê-lo”, disse Putin.
Será que o Itamaraty sob Lula pode realmente ter um papel importante nesse processo? O histórico não é muito favorável: o acordo nuclear que Lulanegociou com o Irã em 2010 foi ignorado pelas grandes potências; e as tentativas brasileiras nos últimos meses de solucionar a crise na Venezuela fracassaram. Apesar das grandiosas ambições de Lula, o Brasil se mostrou um peso leve no cenário diplomático global.
Dessa forma, é surpreendente Putin posicionar o Brasil junto com a Índia e a China – dois países considerados até mesmo pelo Ocidente pró-Ucrânia como qualificados para desempenhar um papel importante em futuras negociações de paz, considerando seu peso econômico, militar e político.
Vale lembrar que os três países são parceiros tradicionais da Rússia dentro do grupo originalmente batizado de BRIC, fundado para representar países em desenvolvimento em ascensão e desafiar o poder político e econômico do Ocidente – o que explica Putin ter chamado eles, inclusive o Brasil, de "parceiros”, em Vladivostok.
Tradição de neutralidade
Tradicionalmente, o Brasil se posiciona de forma neutra no cenário global. Como o país tem interesses comerciais tanto com o Ocidente quanto no mundo em desenvolvimento, a neutralidade é um imperativo diplomático.
Países neutros muitas vezes podem se destacar no cenário global como moderadores. A Suíça, por exemplo – que, a exemplo do Brasil, não detém um grande poderio militar nem econômico para projetar sua influência – tradicionalmente serve de palco para negociações difíceis entre os pesos-pesados no cenário global.
O Brasil tentou fazer o mesmo na Guerra da Ucrânia. Para isso, o Itamaraty sob Lula criticou tanto a invasão russa quanto as sanções impostas pelo Ocidente contra a Rússia. E, em maio deste ano, Brasil e China publicaram uma declaração em conjunto, pedindo uma conferência de paz capaz de colocar a Ucrânia e a Rússia na mesa de negociações. E, após a Rússia não ser convidada para a cúpula de paz na Suíça, em junho, Lula ignorou essa conferência.
Mas Lula já queimou seus cartuchos diplomáticos na Guerra na Ucrânia logo no início do conflito, ao atribuir uma parte da culpa pela invasão russa aos próprios ucranianos. Depois, elepareceu evitar tentar encontrar o presidente ucraniano Volodimir Zelenski a qualquer custo, como no encontro do G7 no Japão, em 2023. Ao mesmo tempo, ele não mostrou problemas em manter conversas com Putin.
Parece que Lula e seu assessor para assuntos internacionais, Celso Amorim, têm em relação a Zelenski o mesmo problema que exibem com a oposição venezuelana: os dois não confiam em quem é próximo dos Estados Unidos. Por outro lado, quem é contra os Estados Unidos sempre tem o benefício da dúvida, como no caso de Nicolás Maduro e Putin. É uma visão de mundo muito simplista, que dificulta qualquer esforço diplomático sério no palco global.
Antipatia que atrapalha
Assim, não foi surpreendente Zelenski afirmar, em maio, a jornalistas latino-americanos, que o governo Lula estaria priorizando uma "aliança" com a agressora Rússia. Kiev cobrou insistentemente que o Brasil se solidarizasse com o país invadido ou, pelo menos, usasse sua influência com Putin para pressionar o líder russo. Nada disso foi feito pelo governo brasileiro.
Sem peso militar, econômico ou político em pé de igualdade com a China ou a Índia, a neutralidade brasileira era o único trunfo que Lula poderia trazer à mesa de negociações. Mas é uma coisa que Lula simplesmente não tem mais a oferecer. A visão de mundo do líder brasileiro atrapalha demais sua ambição de ser um diplomata bem-sucedido.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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