Juncker e sua Comissão Europeia "da última chance"
31 de outubro de 2014Jean-Claude Juncker é um homem 100% da velha escola europeia. Há décadas atuando nos meios políticos, o chefe da nova Comissão Europeia, que assume neste sábado (01/11), conhece a todos no palco de Bruxelas, trabalha incansavelmente pela integração do bloco. Ao mesmo tempo, é partidário da equanimidade e dos acordos, capaz de, sem esforço, conciliar suas posições – democrata-cristãs por natureza – com as de social-democratas ou liberais.
Em outras palavras: Juncker é um perfeito homem do sistema bruxelense. Isso fez com que diversos governos o considerassem especialmente adequado ao cargo. Já para outros, ele era especialmente inadequado – pelos mesmos motivos. Com Juncker, tudo levava a crer, se saberá sempre em que pé se está, para melhor ou para pior.
A nova Comissão também foi recebida com surpresa, tanto em relação a seus integrantes quanto à sua estrutura. Tudo indicava que uma matilha de lobos fora convocada para cuidar das ovelhas.
Como comissário para Assuntos Econômicos e Monetários, justamente o francês Pierre Moscovici, que, na qualidade de ministro das Finanças se colocou prodigamente acima dos critérios de estabilidade europeus. O inglês Jonathan Hill, íntimo do mundo bancário londrino, fica encarregado de controlar os mercados financeiros da UE.
Porém, justo aquilo que pode parecer para alguns a pior escolha possível, em termos de decisões de pessoal, poderá na realidade se provar uma jogada genial. Pois todo o bloco gritará imediatamente "pênalti!", caso haja sequer a mais leve suspeita de que algum dos comissários tencione agir como cavalo de Troia para seu próprio país.
Além disso, a nova estrutura poderá garantir um certo balance of Power dentro da Comissão. Agora, além dos comissários específicos, há sete vice-presidentes com pastas definidas amplamente, encarregados de coordenar o trabalho dos comissários. Caso algum deles vá longe demais, o vice responsável tem poder de convocá-lo a se explicar.
Ao mesmo tempo, pode perfeitamente ocorrer que essa estrutura, com suas superposições e hierarquias, leve a um irremediável caos de competências. Só a prática mostrará se a reorganização torna o trabalho da Comissão Europeia mais eficiente ou se, pelo contrário, vai emperrá-lo. Seja como for, Juncker sabe que, para ele e sua comissão, será impossível se recolher a um cômodo dia a dia de burocrata.
Isso porque, por mais que o novo presidente seja cria do velho sistema, ele não está refestelado numa torre de marfim. Jean-Claude Juncker tem um faro para a mudança político-social mais profunda, que se expressou também nas mais recentes eleições legislativas da UE.
O novo Parlamento Europeu está cheio de representantes populares que querem sustar ou mesmo reverter a integração do bloco. Os cidadãos se distanciam do ideal europeu, não têm qualquer relação com ele, desconfiam do aparato em Bruxelas. E, desde o início da crise financeira, muitos associam "Europa" mais à austeridade econômica do que a oportunidades.
O antigo presidente da Comissão, José Manuel Barroso, dispunha de uma única resposta para todos os problemas: "mais Europa". Em princípio, é bem possível que ele tivesse razão, mas com o tempo o político português se distanciou muito do clima político geral.
Seu sucessor denominou a equipe que encabeça a "Comissão da última chance". Uma humildade assim é o primeiro passo para a melhora. Juncker quer aproveitar agora a chance para tornar a União Europeia novamente relevante para os cidadãos. O sinal mais eloquente nesse sentido é o programa de investimentos de 300 bilhões de euros que pretende concretizar ainda antes do Natal.
Nesse ponto, no entanto, há mais uma armadilha à espreita. Mais uma vez, França e Itália têm necessidade urgente de dinheiro – de preferência, verbas do orçamento comum. No que concerne às reformas, por outro lado, sua pressa não é tão grande.
A nova Comissão também já se mostra generosa para com esses dois países, em relação ao cumprimento das regras de estabilidade monetária. Precisamente essa atitude é vista com desconfiança pelos países setentrionais, como a Alemanha. Assim, o financiamento do novo de investimento promete reacender a velha disputa entre Norte e Sul, entre os financeiramente sólidos e os mais fracos.
Isso, sem se falar na ameaça de o Reino Unido se desligar da UE – o que seria catastrófico para ambos os lados, mas que, a estas alturas, é perfeitamente imaginável. Só esse problema já ocupará bastante a nova Comissão.
Não, a tarefa de Jean-Claude Juncker e sua equipe não é de invejar: superar a crise, manter a casa unida, impor o peso da UE em nível internacional. A grande diferença em relação a antes é que a Europa deixou de ser algo inquestionável – nem para os cidadãos e nem mesmo para os governos.
Barroso reivindicava "mais Europa", porém o que chegou até os europeus foi a proibição das lâmpadas incandescentes. A Comissão Juncker terá que narrar diferente a história europeia.