Opinião: Irã contra o EI - o inimigo do meu inimigo é meu amigo?
3 de dezembro de 2014"O inimigo do meu inimigo é meu amigo." Esse é um dos dogmas da realpolitik. Seguindo esse raciocínio, o Irã deveria estar na lista de convidados quando representantes de quase 60 países – convidados pelos Estados Unidos – se reunirem em Bruxelas para discutir novas medidas contra o chamado "Estado Islâmico" (EI). Afinal de contas, o Irã também está lutando contra o EI. Aparentemente, até mesmo com aviões de combate. Os Estados Unidos confirmaram informações nesse sentido divulgadas pela imprensa. O Irã desmentiu.
Tudo isso mostra que, na areia movediça do Oriente Médio, nada é tão simples como sugere o dogma da realpolitik. Lá, o inimigo do meu inimigo pode, também, ser o inimigo de meu amigo.
Neste caso específico: o Irã compartilha com os EUA, o Ocidente e, bem, com toda a comunidade internacional o inimigo "Estado Islâmico". Mas o Irã é também o inimigo de Israel e da Arábia Saudita, dois aliados americanos. Ao mesmo tempo, o Irã é também o amigo de outro inimigo: Bashar al-Assad, que, com a ajuda de russos e sobretudo dos iranianos, mantém-se no poder apesar de uma guerra civil que já dura anos.
E, às vezes, Estados passam de amigos para inimigos. Curiosamente, os aviões com que o Irã teria atacado bases do EI são de fabricação americana. Os caças F4-Phantom foram entregues ao Irã quando este ainda era regido pelo xá, um amigo dos Estados Unidos.
É muito provável que o Irã de fato tenha usado aeronaves para combater a milícia jihadista. Há anos que o Irã amplia sua influência no Iraque. A Guarda Revolucionária possui uma unidade especial para operações no exterior, a Força Quds. Seu chefe foi fotografado no Iraque no meio deste ano.
Os motivos para o engajamento iraniano são evidentes: o avanço do EI ameaça a influência do Irã no país vizinho. Além disso, a milícia sunita ameaça destruir santuários xiitas. Para o Irã, predominantemente xiita, uma possibilidade assustadora.
Quando, em junho, a segunda maior cidade iraquiana, Mossul, foi invadida pelo EI, demorou dois meses para os EUA ajudarem seus aliados iraquianos com ataques aéreos. O Irã não levou tanto tempo para reagir. Em curto prazo, enviou armas e conselheiros militares, usando o "calor da hora" para solidificar a sua influência na região.
O presidente dos EUA, Barack Obama, já entendeu que, no Oriente Médio, não há como ignorar o Irã, considerando os inúmeros conflitos na região, a relativa estabilidade iraniana e a influência de Teerã sobre os países vizinhos.
Por isso, em meados de outubro Obama enviou a sua quarta carta ao líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei. Nela, Obama garante que os ataques aéreos dos EUA não são destinados a enfraquecer a posição de Teerã na região nem visam o aliado iraniano e ditador sírio, Assad. Obama até mesmo ofereceu uma cooperação na luta contra o EI.
Esta, porém, estava condicionada a um acordo na questão nuclear. Acordo que não conseguiu ser firmado no fim de novembro. Os bloqueios políticos internos, tanto em Washington como em Teerã, eram grandes demais. Conservadores radicais em Teerã se opõem a qualquer aproximação com os Estados Unidos. E, do outro lado, os "falcões" dos EUA e seus aliados em Israel e na Arábia Saudita querem que o Irã continue sendo tratado como um pária que ameaça a paz mundial.
Como resultado, há no momento duas campanhas militares paralelas contra o "Estado Islâmico" – uma liderada pelo Irã, a outra pelos EUA e seus aliados. Ambos os lados são enfáticos ao afirmar que não há cooperação e acordos entre eles. Mas pode-se supor que, nos bastidores, o governo em Bagdá age como intermediário entre os dois lados. Pois, até agora, um não cruzou com o outro nos campos de batalha no Iraque.
Mas isso não basta. O Oriente Médio é importante e instável demais para que os principais atores não se comuniquem. Já chegou a hora de o Irã se mexer e isolar os fundamentalistas radicais. Isso exige um grande esforço do líder supremo Khamenei, que no entanto revela pouca disposição. No gabinete iraniano, entretanto, já estão alguns políticos que não veem o "Grande Satã" nos Estados Unidos. É uma ironia da história que sete ministros iranianos tenham estudado em universidades americanas de elite – mais do que em qualquer outro país do mundo, fora os próprios Estados Unidos.