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Opinião: "Golpe judicial" contra Sharif

Raza Rumi
Raza Rumi
28 de julho de 2017

Primeiro-ministro do Paquistão não soube explicar lacunas no seu enriquecimento, mas também pagou o preço por ter desafiado os militares do país, afirma analista Raza Rumi. Afastamento dele não é uma surpresa.

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Nawaz Sharif
Foto: Reuters/C. Firouz

Em um veredicto drástico, mas amplamente esperado, a Suprema Corte do Paquistão inabilitou o primeiro-ministro Nawaz Sharif ao exercício de cargos públicos. A decisão praticamente põe fim à carreira política de Sharif, que usufruiu de poder político por mais de três décadas. A corte também inabilitou os membros da família de Sharif e o ministro das Finanças.

A decisão terá um grande efeito não só para o futuro da dinastia Sharif como também para a frágil ordem democrática do Paquistão. O país tem oscilado entre regimes militares e períodos democráticos frágeis. Desde 1947, os militares estiveram no poder por quase metade do tempo. Vale ressaltar que nenhum primeiro ministro civil completou seu mandato. A saída de Sharif mantém essa tendência.

Raza Rumi, Gastkommentar
Raza Rumi é editor do jornal paquistanês "Daily Times" e professor da Universidade CornellFoto: privat

O veredicto desta sexta-feira (28/07) é o ápice de meses de um processo judicial contra Sharif lançado pelo líder da oposição, Imran Khan, após a divulgação dos Panama Papers em abril de 2016. Os vazamentos revelaram os negócios com empresas de fachada da família Sharif, em particular a posse de cinco caras propriedades residenciais em Londres. Os documentos do Panamá provocaram uma tempestade política no país, resultando em protestos nas ruas.

Em outubro de 2016, a Suprema Corte criou uma turma só para examinar as acusações de lavagem de dinheiro e a propriedade de imóveis no exterior e para seguir o rastro do dinheiro. Em abril de 2017, dois juízes do tribunal superior declararam Sharif desqualificado nos termos de uma vaga regra constitucional que define a elegibilidade de políticos para cargos públicos.

Os juízes convocaram uma equipe de investigação de alto nível para obter mais informações. Curiosamente, a equipe incluía representantes de duas poderosas agências de inteligência. Nesse dia ficou claro que os militares do Paquistão estavam acompanhando o caso de perto. Sharif e seus aliados reclamaram de conspiração, denunciando interferência do influente establishment militar. A decisão desta sexta-feira indica que os juízes têm o apoio dos generais, que continuam mandando no país.

Aparentemente, o julgamento do Panama Papers era sobre alegações de corrupção, falsificação de documentos e declarações conflitantes dos filhos do premiê. A família Sharif e seus advogados não conseguiram convencer a equipe de investigação e o tribunal sobre a probidade de suas transações financeiras desde a década de 1990. No entanto, especialistas jurídicos divergem sobre o poder da corte superior de inabilitar o premiê por não se tratar de um tribunal processual.

Mas o curso da investigação dos Panama Papers e os desdobramentos judiciais deixaram claro que Sharif não sairia ileso.

Esses procedimentos legais ocorreram num ambiente político altamente carregado. A mídia – em especial muitos dos canais de televisão agitadores do Paquistão – dramatizou o caso, e não seria incorreto dizer que a pressão pública desempenhou um papel no resultado do julgamento. Os principais partidos da oposição também se uniram nos apelos para que o premiê renunciasse e repetidamente disseram aos tribunais que eles deveriam fazer "justiça".

O relacionamento de Sharif com os militares era tênue, na melhor das hipóteses, e havia sofrido um baque no ano passado, quando um relatório da mídia, supostamente vazado por aliados do primeiro ministro, acusou as Forças Armadas de não fazerem o suficiente contra militantes islâmicos. Durante meses, o governo civil e os militares ficaram envolvidos numa batalha que se desenrolou integralmente na mídia. Com a convergência das forças anti-Sharif, o desdobramento desta sexta não é uma surpresa.

A desconfiança entre Sharif e os militares é uma história recorrente na política contemporânea do Paquistão. Sharif foi derrubado pelo establishment militar duas vezes na década de 1990 por acusações de corrupção. Após sua derrubada no golpe de 1999, ele se exilou e só retornou ao Paquistão depois de quase uma década. Sua principal divergência com os comandantes militares diz respeito à política para a Índia. A visão de mundo estratégica deles considera o país vizinho um inimigo permanente. Como líder eleito, Sharif se afastou dessa visão e iniciou um processo de paz.

Em 2013, Sharif foi reeleito primeiro-ministro com maioria significativa. Ele cometeu o "erro" imperdoável de processar seu algoz, o general Pervez Musharraf, por subverter a Constituição. Foi a primeira vez que um ex-chefe militar foi julgado por tal transgressão. Ao longo do mandato, Sharif pagou por esse erro. Primeiro vieram os protestos de rua organizados pelo líder da oposição por causa de acusações de fraude, em 2014, que paralisaram o governo por meses. Setores das Forças Armadas apoiaram os protestos. Outra manifestação pública foi realizada em 2016 após o vazamento dos Panama Papers.

Sharif optou por seguir um caminho seguro com os militares e não tentou alterar o controle deles sobre as políticas externas e de segurança. Mas Sharif permaneceu – e permanece – sendo um desafio por ser um político que tem uma visão de segurança nacional alternativa, com foco na paz e no comércio regionais.

Mas Sharif não foi deposto pelos militares. Seu império de negócios, com um crescimento obscuro ao longo de décadas, deixou muitas lacunas – especialmente um histórico duvidoso de transações financeiras, que a família Sharif tentou encobrir com o envio de documentos questionáveis. Além disso, algumas origens de fundos e ativos não foram declaradas logo no início, e isso foi suficiente para que a Suprema Corte o julgasse inapto para ocupar cargos públicos. A carreira política de Sharif é agora incerta.

Durante uma década, os tribunais do Paquistão atuaram de forma relativamente independente e determinada. Há, no entanto, um amargo histórico de tribunais se colocando ao lado dos militares desde os anos 1950.

A decisão desta sexta vai fazer os políticos prestarem contas de seus atos e reduzir a corrupção, ou vai reforçar tendências passadas do autoritarismo? Saberemos em breve.