Este artigo de opinião sobre as eleições presidenciais do domingo (07/11) na Nicarágua poderia ter sido escrito dias, semanas, ou mesmo meses atrás. O ganhador dessa farsa eleitoral estava óbvio.
Com todos os candidatos oposicionistas atrás das grades e um punhado de comparsas desconhecidos como concorrentes, além de um Conselho Supremo Eleitoral achegado ao opressor, a peça de teatro encenada por Daniel Ortega, Rosario Murillo e seus sequazes ditava um final com a contundente vitória da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) e seu candidato, Daniel Ortega.
À grotesca declaração de vitória com que chega ao fim essa tragicomédia seguiram-se encolerizadas análises e comentários da imprensa internacional – a nacional quase não existe –, criticando, advertendo, exigindo. A raiva e as advertências vão imperar, porém as críticas se calarão com o tempo, à medida que outros acontecimentos deste mundo convulso vão conquistando as manchetes da mídia.
O binômio Ortega-Murillo pouco se importará com o que a comunidade internacional escreva sobre ele. Nos livros de história, esse casal já tem garantido o título de ditadores sem escrúpulos, responsáveis por sepultar a democracia na Nicarágua e colocar o país no mesmo canto que Cuba, Venezuela e Coreia do Norte. Uma vez que se foi a "honra", já não têm muito a perder. E tampouco muito a temer.
Críticas tímidas
Os países latino-americanos, profundamente divididos entre si, não lograram mais do que uma morna declaração da Organização dos Estados Americanos (OEA), denunciando irregularidades e classificando como paródia o processo eleitoral. Só a vizinha Costa Rica, lotada de migrantes venezuelanos e nicaraguenses, pede aos gritos que se obrigue Ortega a regressar à trilha democrática que ele há muito abandonou.
Como um murmúrio distante, chega a declaração da União Europeia, classificando as eleições como fake, acompanhada de ameaças de endurecer sanções. O martelo das sanções contempladas na lei Renacer, com que os Estados Unidos pretendem pressionar o regime de Ortega e Murillo, tampouco impediu sua perpetuação no poder.
É pouco provável que essas ameaças provoquem algum desvio no caminho empreendido pela dupla de autocratas nicaraguenses. Pelo menos no caso de seus irmãos da Coreia do Norte e de Cuba, tais mecanismos não fizeram muito mais do que prejudicar o povo comum.
Um país como refém
Não há mal que sempre dure, e também Ortega e Murillo encontrarão seu fim. Mas a Nicarágua – país de consciência coletiva confusa, em que os revolucionários de ontem são os ditadores de hoje, em que os guardiães de Somoza foram também os da Contra, e agora são, não todos, porém muitos, os comparsas de Ortega – dificilmente conseguirá mudar logo seu destino. Seu DNA seguirá engendrando Ortegas e Murillos, talvez menos coloridos, mas com seu selo inconfundível. Detê-los será muito difícil.
Faz tempo que a Nicarágua perdeu sua "primeira linha". Entre os cerca de 100 mil cidadãos que abandonaram o país, muitos intelectuais e jornalistas agora lutam a partir do estrangeiro, sem grande impacto. Os estudantes, curvados pela opressão, estão mudos há três anos. As ruas de Manágua há muito não acolhem nenhuma manifestação.
Restam junto a Ortega e Murillo e seus sequazes cerca de 5,9 milhões de nicaraguenses, dos quais mais da metade vive abaixo do nível da pobreza. Sua tarefa é tratar de sobreviver como puderem. A Nicarágua, um dos países mais pobres do continente, em breve poderá sê-lo ainda mais, com as consequências conhecidas: mais desemprego, mais emigração, mais criminalidade, mais derrota, mas ódio, mais medo.
Desde este domingo o futuro da Nicarágua e do continente se tornou ainda mais cinzento e tenebroso, com seu velho presidente e novo ditador!