A única vítima bem-vinda do coronavírus será o mito do "millenial mimado". Chega das acusações, feitas pelas gerações mais velhas, de individualismo, egoísmo e excesso de consumo de abacate. Muitos baby boomers (nascidos entre 1946-1964) agora devem suas vidas ao altruísmo dos que nasceram entre 1980 e 2000, os chamados millenials ou Geração Y.
As restrições cívicas introduzidas por toda a Europa nos últimos dias visam desacelerar a propagação da covid-19 e deixar as camas de hospital e respiradores artificiais disponíveis para os casos críticos.
Mas essa paralisação também privará uma geração de educação e renda. Mesmo que as restrições só durem um mês, como planejado, os efeitos na economia permanecerão por anos. Empregos já se perderam, empresas faliram e carreiras foram abreviadas.
O atual estado de emergência do coronavírus é uma demonstração maciça de sacrifício intergeneracional. Embora o vírus afete gente de todas as idades, ele é mais perigoso e mortal para os vulneráveis, enfermos e idosos. Estamos conscientemente hiperreagindo para salvar as vidas dos mais vulneráveis. E está certo assim. Mas que fique bem claro: muitos jovens estão abrindo mão de sua subsistência para que os idosos possam viver.
Vamos admitir que nem todos estão felizes com a paralisação. Muitos cidadãos de todas as faixas etárias ainda ignoram os apelos e regulamentações para que fiquem em casa. Porém uma parcela considerável da população está obedecendo. E os jovens estão perdendo a escola, universidade e trabalho, quer queiram, quer não.
Para quem perdeu renda, o governo alemão promete ajuda e compensação – e esperemos que a promessa se torne realidade, especialmente para os trabalhadores criativos, free-lancers e pequenas empresas. Contudo, perda de confiança e incerteza internalizada são coisas que podem afetar uma sociedade por décadas: a cultura alemã é traumatizada até hoje por lembranças de um colapso monetário ocorrido quase um século atrás.
Entretanto, mesmo em meio a estes tempos desorientadores, há sinais de esperança para um futuro pós-coronavírus; os humanos se tornaram novamente humanos. Excetuadas as brigas nos supermercados, a maioria aceitou o apelo para restringir suas ações em benefício dos vulneráveis. Foi desbancada a noção de que as pessoas não estejam dispostas a ceder nada em nome de um bem maior: elas mostraram que estão prontas a reimaginar radicalmente a realidade.
E, súbito, novos modelos econômicos parecem possíveis. Os conceitos de regulamentação estatal, suspensão dos mercados, verbas públicas para empresas e indivíduos, nacionalização dos setores-chave, folga de débitos e aluguéis, e até mesmo renda básica universal, são agora mencionados como questão de bom senso. Apenas uma semana atrás, isso seria impensável.
Agora que rompemos a barreira da imaginação econômica, podemos ir mais adiante e conceber novos modos sustentáveis de consumo, produção, distribuição e geração de energia. Quem defende um novo acordo verde deve aproveitar o momento e exigir um plano de recuperação que resulte numa sociedade sustentável, operando dentro dos limites de seus recursos ambientais.
Afinal, o ecossistema de sustentação humana sofre de uma doença econômica que está minando nossa existência. A crise climática é ainda mais mortal do que a covid-19: suas vítimas não são diagnosticadas, mas são tão reais quanto as outras.
As gerações mais jovens lideraram o clamor por uma resposta drástica à emergência climática, mas só para ser freadas por mais velhos teimosos. E agora a juventude está pondo em jogo sua liberdade, prosperidade e oportunidades em benefício desses mesmos idosos, debilitados tanto no corpo como na argumentação. Como compensação pela paralisação do coronavírus, os jovens devem receber o que já exigiram: um futuro livre de combustíveis fósseis.
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