Os recentes ataques aos Poderes da República brasileira representam a concretização de uma ameaça que ronda o país desde o surgimento do bolsonarismo: o uso da violência política para desestabilizar a democracia.
Não foram poucos os sinais de que esse dia poderia chegar, como de fato ocorreu no último domingo, 8 de janeiro. Ao nos depararmos com a destruição promovida pelas invasões criminosas, fomos expostos a uma realidade que vinha sendo esboçada ao longo dos últimos quatro anos, por meio de um governo que cultuou o negacionismo, a distopia, o desrespeito às instituições e às regras democráticas.
Os indícios que vinham sendo apresentados por esse fenômeno político de extrema direita, liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, culminaram na mais grave agressão ao Estado de direito e à democracia brasileira no pós-88.
A pacificação política do país e a responsabilização dos invasores impuseram-se como prioridades nacionais e passaram a ocupar o centro da agenda do Executivo, do Legislativo e do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas como se trata de um movimento em curso – e não um evento isolado, a desarticulação e a punição das redes de extremismo dependerão da capacidade de resposta coordenada dessas instituições.
Resposta coordenada dos Três Poderes
As primeiras medidas do recém-empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos ataques apostaram nessa ação coordenada, evitando sinalizar qualquer apetite por poderes unilaterais.
Primeiro, recorreu ao seu poder emergencial, decretando a intervenção na segurança do Distrito Federal (DF), a partir de rápida articulação com os demais Poderes da República. Em seguida, anunciou medidas de contenção da violência de mãos dadas com o STF, Congresso e governadores de todas as unidades da Federação brasileira, incluindo aqueles que apoiaram o ex-chefe do Executivo, Jair Bolsonaro.
O presidente Lula assumiu seu mandato ciente dos desafios de governar com a sociedade dividida e polarizada, contexto no qual os resultados econômicos e sociais serão decisivos para tamponar ou aprofundar essas fendas. Mas apenas oito dias após sua posse, precisou compreender, e muito rapidamente, que os problemas resultantes dessa polarização são mais agudos e urgentes do que se supunha.
Se por um lado a gravidade dos eventos força a união das elites políticas e institucionais, por outro, ela exigirá sinais concretos do presidente sobre como superar isso juntos.
A coalizão governativa , apesar dos nove partidos integrantes e da diversidade de seus ministros, não tem a face de uma frente ampla. Isso porque não garante uma maioria parlamentar mínima, com 51% e 52% das cadeiras legislativas na Câmara dos Deputados e do Senado, respectivamente. É provável que a formação do governo ganhe novas rodadas e afete a agenda legislativa do Executivo. Logo, não só o Executivo, mas também o Congresso poderá sair fortalecido no atual cenário.
Desafios administrativos
Os desafios não são só legislativos, mas também administrativos. Os órgãos do poder executivo foram instrumento central na radicalização e polarização política liderada por Bolsonaro.
A aproximação de alguns deles com o bolsonarismo já mostrou seus efeitos, como na operação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) durante o segundo turno das eleições do ano passado e nas tensões entre os militares e o novo governo desde a transição presidencial.
Novas estruturas de governança
Lula enfrentará o desafio de realinhar as estruturas do Executivo, o que é razoável no início de um novo governo, mas em um ambiente polarizado em demasia e com potencial de aprofundar conflitos no interior de suas burocracias. Mais do que redesenho dessas estruturas, como já iniciado, a reversão disso requer novas estruturas de governança internas ao Executivo.
Desde a aprovação célere da PEC da Transição, o Congresso tem sinalizado disposição de cooperar com o governo, se contempladas as suas demandas. O desafio agora é forjar um alinhamento interno capaz de tornar governo e oposição democrática no eixo organizador das batalhas legislativas.
As chances de reeleição dos atuais presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado aumentam nesse cenário, dado o apelo mais forte à continuidade e à celeridade das medidas de defesa da democracia e do Estado de direito.
Esses alinhamentos e pactos podem restringir o espaço e a voz da extrema direita no Congresso, mas certamente os desfechos das investigações e dos inquéritos sobre o 8 de janeiro serão decisivos. Retraídos agora diante da violência e do rechaço popular às invasões, logo os que sobreviverem, em mandato e reputação, disputarão o espólio de Bolsonaro na condução da extrema direita.
O papel do STF
Protagonista no combate aos movimentos antidemocráticos nos anos recentes, o STF adotou fortes medidas para a investigação e responsabilização dos envolvidos nos atos, como o afastamento do governador do DF, pedidos de prisão de autoridades e detenção de mais de mil envolvidos nas invasões. A gravidade da crise elevou a fervura das pressões contra o imobilismo dos demais órgãos do sistema de Justiça. Com isso, o Supremo sai, parcialmente, da posição isolada na contenção dos movimentos antidemocráticos e extremistas – que o transformou em alvo principal de desconfiança institucional.
As vitórias contra o extremismo violento dependem não só do acionamento desses órgãos, mas do seu engajamento ostensivo na defesa do Estado de direito e da democracia. Em alguns casos, a reconstrução e o realinhamento de suas estruturas e burocracias serão cruciais, particularmente onde "simpáticos" aos movimentos extremistas podem se tornar focos de resistências ou inação deliberada.
A face do extremismo político mostrada ao Brasil no último domingo indica que vencê-lo será uma longa batalha, na sociedade e dentro das instituições. Logo, tornar essas medidas e ações iniciais dos três Poderes, adotadas logo após as invasões, em iniciativas coordenadas e de reforços mútuos é o desafio seguinte.
Se bem-sucedidas, elas podem ser potencializadoras da governabilidade e da institucionalidade democrática. Afinal, nada melhor para a democracia do que a governança efetiva e responsiva para deixar para trás quem quer desestabilizá-la.
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Magna Inácio é doutora em ciência política, professora e pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais. É coordenadora do PexNetwork (https://pex-network.com/), grupo de pesquisa PEX (Executives, presidents and cabinet politics), vinculado ao Centro de Estudos Legislativos (CEL) da UFMG.
Alessandra Costa é mestre e doutora em Ciência Política pela UFMG, jornalista e pesquisadora do PEX (CEL-UFMG).
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