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Opinião: China precisa dosar sua ânsia de supremacia

Alexander Freund (av)5 de março de 2015

Pequim tem todo direito de ampliar seu orçamento militar em defesa dos interesses nacionais, mas a consequência é também uma corrida armamentista regional, alerta Alexander Freund, chefe da redação Ásia da DW.

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Alexander Freund, diretor da redação Ásia da DWFoto: DW/Christel Becker-Rau

A China definitivamente não possui o poderio militar de uma superpotência. Até agora, Pequim só conta com seu poder econômico para se fazer ouvir no mundo. Todos os olhares estão fixados no motor econômico chinês. Do ponto de vista militar, o país tem se mantido fora dos grandes conflitos. Até o momento, a corrida econômica tem prioridade máxima.

Isso com certeza vai mudar, pois ultimamente Pequim vem se apresentando com autoconfiança – também se poderia dizer: agressividade – cada vez maior. A intenção do país de, mais uma vez, aumentar consideravelmente seu orçamento militar se encaixa nesse quadro.

O aumento é um pouco inferior ao do ano passado, mas há anos os chineses investem somas astronômicas na modernização das Forças Armadas nacionais – para a apreensão não só de seus vizinhos.

A liderança chinesa não está totalmente desprovida de razão ao apontar que os Estados Unidos gastam ainda mais em armamentos. Mas, afinal, os americanos se veem como a última superpotência remanescente – ou será que se está aplicando dois pesos e duas medidas?

Pequim ainda se sente em desvantagem militar. É verdade que, com 2,1 milhões de soldados, os chineses possuem o maior contigente militar do mundo, além de serem a força aérea mais poderosa da Ásia e possuírem mísseis intercontinentais com capacidade para transportar armas nucleares e potencial de alcance até os EUA.

O país não está, porém, apenas interessado na defesa do seu território, mas também na defesa ativa de seus interesses. Por isso, investe sobretudo em armas ofensivas, a fim de estar apto a solucionar rapidamente conflitos regionais. Um exemplo são os porta-aviões: afinal, a orgulhosa nação só dispõe de um exemplar, um velho modelo ucraniano recauchutado.

Há quem diga que, depois da corrida no campo econômico, é o mais legítimo direito da China procurar também seu lugar entre as lideranças militares. Afinal de contas, outras potências também têm repetidamente imposto seus interesses por meios bélicos. Os americanos, nem se discute. E os russos, mais uma vez, na Ucrânia.

Mas esse mesmo raciocínio estimula uma gigantesca corrida armamentista no continente asiático, que faz soar todos os alarmes não só entre os vizinhos da China e do outro lado do Oceano Pacífico. O que está em jogo aqui não é apenas o comércio globalizado ao longo da rota marítima asiática: trata-se de uma desconfiança crescente na Ásia, e da propensão cada vez maior de decidir os conflitos por meios militares em vez de diplomáticos.

Isso poderá terminar em catástrofe, gerando ondas de impacto que se fariam sentir por todo o planeta. Pois, além da China, também estão se armando fortemente a Índia e o Japão, as Filipinas, a Indonésia, o Vietnã – na verdade, quase todos.

Potencial de conflito há de sobra na Ásia. O maior poder explosivo cabe às disputas em torno de ilhas geralmente desabitadas, continuamente intensificado pelas diversas forças nacionalistas. Oficialmente, o interesse está em gigantescas reservas pesqueiras ou possíveis tesouros de matérias primas; na verdade, porém, a questão é, sobretudo, de supremacia regional.

Em muitos locais a China provoca, usando até escavadeiras – por exemplo, ao cobrir atóis com concreto para transformá-los em pistas de aviação. Ou ao ostentar a presença de seus navios de guerra, como que dizendo: "Vejam só, nós chegamos para ficar!" No futuro, essa "diplomacia de escavadeira" vai se apoiar numa tremenda força marítima, que não deixará mais espaço para dúvidas.

A China vai se reposicionar na política de segurança. Disso faz parte uma "lei antiterrorismo", que permitirá ao país intervir militarmente também no exterior, em caso de ameaça a seus cidadãos ou aos interesses nacionais.

O Japão planeja, aliás, uma lei semelhante. Também o governo conservador-nacionalista japonês não considera mais condizente sua Constituição pacifista, diante das supostas ameaças – entre outras, pela China.

Quem pode negar ao outro o direito à defesa? E "lei antiterror" não soa bem, em princípio? Mas as fronteiras da agressão são sabidamente fluidas. Também nesse ponto as demais superpotências têm dado suficientes exemplos.

O orçamento militar ampliado não significa, contudo, que Pequim esteja realmente se equipando para uma guerra. Ainda é tempo de evitar os erros do passado. Na maioria das nações asiáticas, o papel do progresso econômico é mais importante do que as disputas territoriais.

Um comércio intenso entre elas evita escaladas de violência e fortalece a cooperação com base na confiança. Afinal de contas, todo mundo gosta de fazer negócios, e uma economia florescente gera prosperidade. Se o maior número possível de pessoas se beneficiarem, os cabeças-quentes nacionalistas não terão chance, seja em Pequim e Tóquio, seja em Washington.

Por isso agora é preciso sobriedade, acima de tudo, uma vez que provocações podem rapidamente sair do controle. Moderação não é necessariamente um sinal de fraqueza, e força se pode mostrar de diversas maneiras. Pois a China é hoje, inegavelmente, uma superpotência, e chegou a esse posto sem qualquer ajuda de armamentos pesados.