As palavras demagogia e democracia, que pareciam estar próximas apenas no dicionário, aproximam-se cada vez mais na política. Mesmo depois de tantos estragos e tragédias causados por demagogos, a humanidade não aprende a lição. Pior ainda: a demagogia não somente não foi erradicada das democracias contemporâneas como ainda se vale delas para se incubar e se desenvolver diante da impotência dos cidadãos, que, quando rompem o seu feitiço, não conseguem entender o que aconteceu.
Nos últimos tempos, parece que viemos repetindo um roteiro já conhecido, com a impressão adicional de que esse mal está infectando – assim como na primeira metade do século passado – países de todos os tamanhos e tendências políticas. Para não ir muito longe, na América Latina são comuns certos espécimes que conseguem se eleger à base de popularidade e se mantêm no poder à base de demagogia, violando os princípios mais elementares da democracia que os gerou.
Mas, nestes confins terceiro-mundistas, isso nem mesmo é notícia: a demagogia faz parte da paisagem. O que preocupa é que esse vírus já está fazendo das suas em países que, em tese, são muito maduros por sua cultura, confiáveis por suas instituições e sólidos por sua história.
Vimos isso acontecer no Reino Unido, com o Brexit, e nos Estados Unidos, com a vitória de Donald Trump. Em ambos os casos, a confusão foi a norma, e a sensatez, a grande ausência. E tudo graças à demagogia que, como bem se sabe, nutre-se da insatisfação popular e da debilidade do establishment, que menospreza o alcance desse discurso daninho.
Às portas das eleições na Alemanha, causa satisfação ver que os candidatos mais bem colocados nas pesquisas não caíram no jogo fácil de adular o eleitorado numa época em que temas como nacionalismo ou imigração são grandes puxadores de votos, como se viu na campanha eleitoral dos Estados Unidos com a polêmica proposta do republicano de construir um muro na fronteira sul do país para barrar a entrada de mexicanos.
E, depois do susto na França, onde a ultradireitista Marine Le Pen quase ganhou a presidência nas eleições de junho passado, a disputa entre Angela Merkel e Martin Schulz gera um pouco de tranquilidade. E mesmo que a atual chanceler federal esteja a ponto de obter seu quarto mandato consecutivo, se – por essa volatilidade que invadiu a política – o vencedor for o ex-presidente do Parlamento Europeu, ninguém vai ficar de cabelo em pé.
Em tempos em que a conduta errática de Trump se desvela a meio mundo, não deixa de ser uma boa notícia saber que a primeira potência da Europa seguirá nas mãos de "um adulto responsável", coisa que não se pode dizer sobre os Estados Unidos.
Apesar de sua pinta de professora secundarista e sua voz de pastora, a senhora Merkel construiu uma imagem de mulher firme, que não hesita na hora de tomar medidas controversas, como abrir as fronteiras a milhões de imigrantes que, desde 2015, estão chegando a seu país em busca de refúgio. Mesmo que há dois anos isso parecesse uma decisão suicida, pode-se dizer hoje que seus compatriotas continuam confiando nela, a julgar pela vantagem que as pesquisas eleitorais lhe dão. Ao fim e ao cabo, 12 anos de desgaste também são 12 anos de experiência.
E, fora de suas fronteiras, o mundo a respeita como estadista, graças à sua moderação e por ter demonstrado que é a única líder da Europa capaz de fazer frente a Trump. Sem complexos. Alguém, afinal, tem que fazer o trabalho sujo.