Quanto mais velho fica meu avô, mais ele vive em suas recordações. Sentado no sofá, ele evoca uma Europa que não existe mais, mas que ainda o marca até hoje.
Desde o seu nascimento, há 92 anos, num vilarejo castelhano, ele passou por muitas experiências: uma sangrenta guerra civil, 36 anos de ditadura, uma transição para uma democracia envolvida de incertezas e a adesão da Espanha à Comunidade Europeia, que hoje se tornou a União Europeia (UE).
Quando ele fala sobre outros europeus, percebo até que ponto a Europa já avançou: para ele, os italianos são "gente má" que Mussolini enviou à Espanha para lutar por Franco. E os alemães são uma "nação de guerreiros" com "engenheiros inteligentes" que ajudaram a ditadura espanhola a conseguir poderio militar.
Para mim – uma americana com raízes espanholas vivendo na Alemanha com um parceiro francês – esses preconceitos imutáveis são difíceis de suportar. Mas essa foi a Europa que ele vivenciou e fico contente que ela não seja mais aquela que o fez ficar assim.
Mas diante das próximas eleições para o Parlamento Europeu, pergunto-me: o que a Europa deve fazer para que se torne o lugar que quero para os meus netos? Pois eles terão raízes em muitas partes do continente.
Espero que, em nível europeu, eles sejam representados por forças que eles mesmos puderam escolher. Porque a Europa só pode superar seus desafios com cidadãos politicamente envolvidos além das fronteiras nacionais.
Até agora, no entanto, pessoas de países da UE não votam como europeus, mas apenas como cidadãos nacionais. E, segundo uma pesquisa recente, apenas metade dos entrevistados em todos os 28 Estados-membros do bloco disse acreditar que pode influenciar a UE de forma democrática.
Embora o Parlamento Europeu seja a única instituição cujos membros são eleitos de forma direta na UE, os deputados são escolhidos em sistemas nacionais. E nem todo voto tem o mesmo peso – países menores são favorecidos. Cada nação tem suas próprias regras sobre como um partido pode concorrer às eleições e se os eleitores podem escolher entre uma lista fixa de candidatos ou podem ter mais flexibilidade.
Em oito países da UE, cada partido precisa uma porcentagem mínima de votos para entrar no Parlamento. Nos demais Estados não existe tal cláusula. E não se pode participar de uma eleição na República Tcheca quando se mora no exterior. Ali, de qualquer forma, votar não é obrigatório. Na Bélgica, por outro lado, o voto é compulsório.
Essas são apenas algumas das desigualdades nacionais existentes nas eleições europeias.
A UE precisa finalmente introduzir listas pan-europeias em todos os países-membros, para que os partidos e candidatos possam cativar os corações dos eleitores como europeus e não apenas como dinamarqueses ou suecos.
A distribuição de mandatos por país e região precisa ser corrigida para que cada voto tenha o mesmo peso. E por último, mas não menos importante, o processo eleitoral deve ser o mesmo em cada país, para que haja isonomia nas escolhas eleitorais.
Como principal político da UE, o presidente da Comissão Europeia deveria ser eleito diretamente pelos cidadãos. Até agora, os líderes nacionais propõem ao Parlamento um candidato que pode, mas não deve necessariamente refletir o resultado da eleição. Portanto, pode se tratar de um nome muito diferente daquele que foi apresentado aos eleitores como presidente em potencial.
Até agora, os governos nacionais não conseguiram corrigir essas deficiências e instituir uma representação da UE legitimada de forma realmente democrática. Se quiserem garantir a sobrevivência da democracia na Europa, isso é justamente de seu interesse.
Quanto mais adiarem essas reformas, mais a fé na democracia vai sofrer na UE – e com ela a crença na democracia em geral. Em tempos de crescente populismo, a Europa não pode permitir que isso venha acontecer. As reformas não sufocarão o populismo, mas podem fortalecer a identificação com a UE.
Graças às fronteiras abertas e à livre-circulação, a Europa deixou para trás em grande parte a era dos preconceitos nacionais generalizados. Mas uma reforma eleitoral pode fazer com que cerca de 500 milhões de pessoas se vejam mais fortemente como europeus e ajam politicamente em conformidade com essa visão.
Quando eu envelhecer e estiver sentada no sofá, lembrando a meus netos como fomos desafiados a manter vivo o projeto da UE ameaçado por nacionalistas em todos os lugares, quero que pensem: "Que bom que não vivemos mais na Europa da nossa avó."
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