O "homem forte" da Venezuela, Nicolás Maduro, parece ser exatamente o contrário. Empenhado em se apresentar como um democrata, acabou traído pelas próprias palavras: "Me pareço com Saddam Hussein!", disse há alguns dias diante das câmeras, enquanto apresentava o novo uniforme da desprestigiada Polícia Nacional Bolivariana.
Ao acreditar estar refutando com humor àqueles que o chamam de tirano, acabou vítima da própria ironia. Sua aura é a de um ditador que se sabe cambaleante, repudiado dentro e fora de suas fileiras, obedecido a contragosto (até nova ordem) e marcado pelos desmandos de seus subordinados.
Deve ser difícil ser Maduro... Mas é mais fácil no momento ser um deputado opositor venezuelano? Neste domingo (16/07), a maioria antichavista no Parlamento realizou uma consulta popular para frear a eleição arranjada – sem voto universal, direto e secreto – de uma Assembleia Nacional Constituinte, marcada pelo governo para o dia 30 de julho.
Dos 7.186.170 venezuelanos que participaram do plebiscito sobre a Assembleia, 6.387.854 (98,4%) se pronunciaram a favor de manter a Carta Magna de 1999 e contra a refundação do Estado. As informações são de Raúl Lopez, membro da comissão de fiadores do processo e reitor da Universidade Pedagógica Experimental Libertador (Upel).
A oposição tem motivos para festejar. Multidões foram às urnas tanto na Venezuela quanto fora do país. Na Alemanha, centros de votação foram instalados em Aachen, Berlim, Colônia, Dresden, Dortmund, Düsseldorf, Erlangen, Frankfurt, Freiburg, Friedrichshafen, Hamburgo, Heidelberg, Munique, Paderborn, Stuttgart e Weimar.
Apesar disso, a prova de fogo para os adversários de Maduro começa nesta segunda-feira: a Venezuela que foi às ruas fez o que se esperava dela. Agora resta saber se seus líderes políticos cumprirão a sua parte. E isso é mais complicado que parece porque as expectativas variam.
Já houve dois grandes desencontros entre a Mesa da Unidade Democrática (MUD) – a maior aliança de partidos da oposição – e seus seguidores. O primeiro foi em 2013, quando a ascensão de Maduro ao poder foi atribuída a uma fraude eleitoral, e a MUD pediu o fim dos protestos de rua para evitar um banho de sangue. O outro foi em 2016, quando os ânimos estavam exaltados pela anulação do referendo que buscava revogar o mandato de Maduro, e a MUD suspendeu as manifestações antigovernamentais para sentar-se e dialogar com o regime. Um terceiro balde de água fria poderia significar o rompimento definitivo da base da oposição com sua cúpula.
No domingo não foi submetido a plebiscito apenas o repúdio à Assembleia Nacional Constituinte, mas também a renovação dos poderes públicos, a realização de comícios livres e transparentes e a formação de um "governo de unidade nacional". A aprovação foi de 98,3%. Também foi perguntado se se deveria exigir o reconhecimento explícito da Constituição de 1999 e do Parlamento pelas Forças Armadas, leais à "Revolução Bolivariana". 98,5% responderam que sim a essa pergunta. De antemão, os dirigentes antichavistas foram acusados de comedimento ou de defender posições radicais.
Os que clamavam por um governo de transição chamavam de ingênuos aqueles que, numa posição coincidente com a de chavistas dissidentes, condenavam a simples menção a esse cenário. Agora, os votos respaldam essa posição, mas a falta de transparência em torno da libertação do líder opositor Leopoldo López – o preso político mais famoso da Venezuela – levanta a suspeita de que o resultado da consulta popular vai ser desvirtuado para uma negociação com o governo em vez de levar à implementação de medidas concretas para tirar Maduro da presidência. Um dirigente opositor considerou convocar uma greve geral após o plebiscito, mas os incrédulos são muitos.
Por um lado, teme-se que as ruas "esfriem" e, por outro, que os protestos e sua repressão se perpetuem até que a solução pacífica para a crise político-institucional do país se torne inviável. Especialistas em Direito Constitucional descrevem o plebiscito deste 16 de julho como uma consulta popular legal e vinculante, enquanto Maduro e as instituições estatais sob seu controle questionam a validade da votação, organizada sem a aprovação do Conselho Nacional Eleitoral.
Os ex-presidentes que acompanharam a consulta pediram à comunidade internacional que reconheça sua legitimidade, mas é muito cedo para saber quem terá a última palavra.
Apesar da ampla participação no plebiscito deste domingo, é provável que este seja apenas o prelúdio de acontecimentos decisivos e não a esperada "hora zero".