Meados de 2016: a cidade síria de Aleppo se apresenta como o inferno na Terra, no Mar Mediterrâneo os refugiados continuam morrendo afogados, a política de juros baixos esvazia as pensões alemãs. E sobre o que a Alemanha discute? Sobre um pedaço de pano!
Este país não precisa de uma proibição da burca. Para começar, o termo já é errado, pois a burca – vestimenta que cobre, além do corpo, também todo o rosto com uma espécie de grade de pano – não é usada na Alemanha. Existem, sim, mulheres que trajam um niqab – a túnica que cobre todo o corpo, só deixando uma pequena fresta para os olhos –, mas seu número é ínfimo.
Para que não haja dúvida: burca, niqab e xador são a expressão repressiva de uma imagem reacionária de mulher, que dá ao homem o total direito de dispor do corpo feminino. Mas essas peças só são o sintoma, e o velamento compulsório é apenas um lado dessa imagem. Pois a exibição ostensiva do corpo feminino sexualizado em público – por exemplo, na publicidade – também reflete a mesma distorção.
Por isso precisamos lutar apaixonadamente por uma sociedade em que esse direito de dispor dê lugar a um direito de autodeterminação da mulher. Concretamente isso significa, neste caso: cada mulher deve poder decidir por si o que veste.
Os recém divulgados planos dos secretários alemães do Interior dos partidos conservadores cristãos CDU e CSU são também uma demonstração de desamparo político: não se trata de uma proibição generalizada da burca, mas de uma parcial – ao volante dos automóveis ou no serviço público. Francamente: qual mulher que usa um véu islâmico tem permissão para dirigir ou para exercer uma profissão?
Também aqui se confundem sintoma e causa do problema, visando o impacto público e – às vésperas das eleições legislativas estaduais – com um viés populista, voltado para os adeptos do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) e do movimento Pegida (sigla em alemão para "Patriotas europeus contra a islamização do Ocidente"), ambos de ultradireita.
Pois nós, alemães, temos de fato um problema: se não conseguirmos que nossa forma de sociedade, ocidental e liberal, seja mais atraente do que uma autoritária; se já chegamos ao ponto de regulamentar por lei o porte de certas peças de vestuário, então já perdemos a batalha das opiniões.
A grande promessa de que todos podem almejar à felicidade, independentemente de origem, gênero, cor da pele ou orientação sexual, é central para a nossa sociedade. Ela deve ser um farol, não uma barricada.