Opinião: Nova lei no Egito amordaça o jornalismo
Há três semanas, no verão escaldante do Cairo, o diretor da Comissão Egípcia por Direitos e Liberdades, Mohamed Lofty, afirmou, em seu escritório esfumaçado, que o Egito estava pronto para "matar qualquer voz independente". No domingo, a tese se confirmou.
De madrugada, o presidente Abdel Fattah el-Sisi, antigo líder das Forças Armadas, assinou uma controversa lei antiterrorismo com o objetivo de dificultar a vida de qualquer veículo de mídia independente – decretando pesadas multas caso haja divulgação de notícias "falsas" sobre ataques terroristas ou operações de segurança que contradigam declarações oficiais.
O decreto de lei foi antecipado em resposta a uma série de confrontos entre militares e extremistas, ocorridos na Península do Sinai, e ao assassinato do promotor público Hisham Barakat, morto na explosão de um carro-bomba no fim de junho.
Na ocasião, os militares ficaram enfurecidos quando a imprensa, citando funcionários do governo e testemunhas, divulgou que dezenas de soldados haviam sido mortos no Sinai – enquanto o número declarado oficialmente pelo Exército era de 21 militares entre as vítimas.
A proposta original da nova lei previa sentenças de prisão para esse tipo de "ofensa". Porém, o governo recuou depois das reações indignadas da imprensa egípcia, o que pode ser considerada uma pequena vitória num país onde diversos veículos, com poucas e honráveis exceções, têm se alinhado com um regime cada vez mais repressivo.
Agora, a pena mínima para notícias "falsas" é uma multa de 200 mil libras egípcias (23 mil euros); a mais grave, 500 mil libras.Isso transforma qualquer tentativa de jornalismo independente no Egito uma farsa. Pelo menos, no caso de notícias sobre operações de segurança no Sinai, onde uma revolta islâmica, latente por anos, recentemente eclodiu.
Enquanto o Exército combate os extremistas (com vários integrantes pertencendo à "Província do Sinai, uma filial declarada do "Estado Islâmico"), e com cada vez mais moradores sendo forçados a fugir, parece que os jornalistas só podem confiar em estatísticas de órgãos oficiais sobre as mortes e os ataques – e não nos habitantes da região, que arriscam as próprias vidas para fornecer dados a jornalistas como eu.
Como, por exemplo, uma das minhas fontes no Sinai que me contou sobre as barreiras de controle com bandeiras do EI, localizadas a poucos quilômetros de postos militares perto de Sheikh Zuaid e Rafah, e sobre vilarejos fantasmas, abandonados por moradores e controlados pelos extremistas.
São fontes inestimáveis para nós, jornalistas impedidos de visitar o Sinai, fontes que contam os corpos dos membros de militantes radicais mortos em tiroteios e nos enviam os números.
Agora, a lei me obriga a jogar fora mandamentos básicos do jornalismo, como confiar em fontes independentes ou verificar a veracidade de estatísticas oficiais, e, basicamente, determina que eu guarde só para mim as informações que contradigam o discurso do governo.
É justamente por isso que jornalistas como Mohamed Mekawi, o editor de 27 anos do portal egípcio Masrawy, classificam a lei como "insana".
Para piorar, a nova lei vem com um aparato de outras medidas, incluindo penas severas para atos de terrorismo, definidos de forma vaga. Assim, "divulgar ideias que incentivam a violência" prevê sentenças de vários anos, além de tribunais especiais para julgar casos de terrorismo com rapidez.
De acordo com o advogado de direitos humanos Gamal Eid, a medida é "uma clara violação da independência do sistema judiciário". A lei também protege membros do serviço segurança egípcio de serem processados caso utilizem a força contra "uma ameaça real e iminente".
"Estou com medo", diz Eid à DW. "Com medo por esses poucos e corajosos indivíduos que estão dispostos a lutar pelos seus direitos e pela verdadeira democracia."
E ele não é o único que deveria ter medo.