Na Alemanha, virou quase rotina difamar os cidadãos da Saxônia como povo atrasado e com tendências de direita. Um clichê tolo, não há dúvida. Mas eles também não contribuem para provar o contrário.
Durante uma visita recente da chanceler federal Angela Merkel à capital do estado, Dresden, uma equipe de filmagem da TV de direito público ZDF estava simplesmente fazendo o seu trabalho, registrando uma manifestação do movimento ultradireitista Pegida (sigla em alemão para "Patriotas europeus contra a islamização do Ocidente") contra a chefe de governo alemã.
E aí partiram do meio da massa insultos contra os repórteres ("Imprensa da mentira!"), sem que os policiais logo ao lado sequer se incomodassem. Mas aí eles entraram em ação – contra os profissionais de imprensa. Um ativista especialmente barulhento instou os agentes da lei e investirem contra os funcionários da ZDF. E foi o que aconteceu: eles não tinham nada melhor a fazer do que controlar várias vezes seus documentos de identidade – durante nada menos que 45 minutos.
Mais tarde, o governador da Saxônia, Michael Kretschmer – membro da União Democrata Cristã (CDU), assim como Merkel –, se apressou em declarar que nessa brincadeira só os policiais se comportaram com seriedade.
Uma semana inteira após a gritante obstrução da liberdade de imprensa, o governo saxão comunicou sumariamente que o manifestante arruaceiro se tratava – atenção – de um funcionário do Departamento Estadual de Investigações. Espantoso, mas, por outro lado, também nada surpreendente.
A rigor, não é mais notícia o fato de que na Saxônia – e seguramente também em outras partes da Alemanha – aspectos democráticos indiscutíveis estão perigosamente abalados. O pior é a ausência de qualquer tentativa de justificativa oficial: jornalistas são inimigos, não guardiães de um direito fundamental – é o que acha o Pegida e, ao que tudo indica, também o governador Kretschmer.
Ao dizer que só a polícia agiu de forma "séria", ele está insinuando, justamente, que a equipe da TV ZDF não seja séria. No material filmado pelos colegas, aliás, vê-se como os jornalistas são abertamente ameaçados por outros participantes da passeata. Nenhuma palavra do governo estadual a respeito.
É claro que Kretschmer e seus colegas são movidos por puro medo. Nas eleições gerais de 2017, a populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) já se mostrou mais forte na Saxônia do que o eterno partido governista CDU. Em 2019 se elege o parlamento estadual saxão, e será extremamente difícil formar um governo contra a AfD. Ideologias ultradireitistas, xenófobas e antidemocráticas são amplamente difundidas, em todas as camadas da população. E, como se vê, também nos órgãos públicos.
Também na política federal alemã o apoio aos jornalistas é exíguo. A ministra da Justiça, a social-democrata Katarina Barley, classificou como "preocupante" o ocorrido em Dresden. E a polícia da Saxônia pretende encontrar-se com um encarregado da ZDF a fim de esclarecer a situação. Está muito bem, mas para nós, jornalistas, isso de pouco vale, se incidentes como o de Dresden se tornarem cada vez mais frequentes.
A cobertura jornalística livre e sem obstáculos é uma característica inalienável da democracia: esse fato indiscutível foi simplesmente esquecido por muitos – pelos cidadãos irados que gritam insultos, com toda certeza, mas também por muitos responsáveis nos órgãos públicos, nos ministérios, na polícia.
E por enquanto a situação é essa, até que a massa silenciosa da Alemanha – a qual, espera-se com todo otimismo, dá grande valor à liberdade de imprensa – enfim se manifeste em alto e bom som, fazendo calar os insultos dos barulhentos. Ou Merkel poderia fazê-lo. Mas isso (infelizmente) não é de se esperar.
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