ONU no Haiti
29 de janeiro de 2010Ban Ki-moon não é um homem de muitas palavras nem de grandes emoções. As peculiaridades da cautela asiática ficam mais evidentes quando o secretário-geral das Nações Unidas exprime sua autoridade. “Eu faço um apelo às equipes de ajuda internacional para que trabalhem com as Nações Unidas assegurando que nosso esforço conjunto seja complementado, e não desperdiçado.”
O Haiti recebeu toneladas de mantimentos, remédios, abrigos de emergência e outros artigos de ajuda humanitária, mas o socorro quase não chegou às vítimas. “Um dos problemas é que há centenas de ONGs com boas intenções e que fazem um trabalho muito importante, mas coordenar todo esse grupo pode ser complicado”, analisa Edward Luck, do Instituto Internacional da Paz de Nova York.
O observador do trabalho das Nações Unidas conhece bem a estrutura da ONU e de suas suborganizações – assim como seus pontos vulneráveis. Em relação ao Haiti, Luck faz uma avaliação mais amena. Ele ressalta que, primeiramente, é preciso considerar que a própria ONU foi vítima do terremoto. A morte de Hedi Annabi [chefe da missão da ONU no Haiti] e de funcionários que estavam na chefia da missão no país, fez com que as Nações Unidas, de repente, não tivessem mais funcionários responsáveis diretamente no local.
Controle do aeroporto
E quando a dimensão da tragédia ficou visível, outro problema também surgiu. “O governo do Haiti não tinha capacidade de agir, aeroportos e portos foram destruídos, muitas estradas também, e ficou evidente que a ajuda não conseguiria chegar. E a ONU não dispunha de aparelhagem que pudesse ser útil naquela ocasião”, comenta Luck.
E é essa capacidade de ajuda que Washington tem para oferecer: aviões, navios com instalações hospitalares e pessoal especializado – algo que as Nações Unidas não podem proporcionar. Além de enviarem aeronaves com ajuda humanitária, os EUA assumiram o controle do aeroporto, o acesso mais importante ao local da catástrofe.
É verdade que esse controle militar estrito suscitou um clima de desconforto: a organização Médicos Sem Fronteiras lamentou que um avião carregado com instrumentos médicos não teve autorização para aterrissar em Porto Príncipe, e que teve que ser desviado para a República Dominicana por ordem dos americanos. Não foi caso único: um avião francês com dez equipes de cirurgiões a bordo não pôde aterrissar, e teve também que seguir para o Aeroporto de Santo Domingo.
Igualmente difícil tem sido a viagem para civis, especialmente os que não possuem passaporte norte-americano. Cerca de 200 aeronaves, que fazem 90 decolagens e aterrissagens por dia, ocupam a pista do Aeroporto de Porto Príncipe – a maior parte pertence aos EUA. Muitos desses aviões não trazem ajuda humanitária, mas soldados.
Segurança e ajuda humanitária
“Evidentemente que existe a questão de quem deve ter prioridade, se o pessoal que cuida da segurança ou da ajuda humanitária. Mas eu acho que a resposta mais simples é: ambas as atuações são necessárias.” Segundo Edwart Luck, sem o reforço da segurança poderia haver uma escalada da violência.
O especialista lembra que a responsabilidade nessa situação é das Nações Unidas, mas de fato ela se encontra nas mãos dos Estados Unidos – uma circunstância que muitas ONGs não querem aceitar. “Eu acho que nessa situação as organizações de ajuda preferem fazer tudo à sua maneira, mas elas precisam de um amparo logístico, precisam de um sistema de comunicação e infraestrutura que uma potência militar como os Estados Unidos podem oferecer”, avalia Luck.
Para o especialista do Instituto Internacional da Paz, a ocasião traz a oportunidade de que todos aprendam com os erros. “Em minha opinião, é impressionante ver que uma catástrofe natural pode mobilizar a comunidade internacional dessa maneira, num trabalho conjunto com o mesmo objetivo, sem debates políticos, sem delonga, como estamos acostumados a ver no âmbito das Nações Unidas.”
Autor: Thomas Schimidt (np)
Revisão: Carlos Albuquerque