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ONGs criticam lei antidesmatamento da UE por excluir Cerrado

6 de dezembro de 2022

Regulação proibirá importação de produtos oriundos de áreas da Amazônia desmatadas após dezembro de 2020. Especialistas saúdam a normativa, mas temem que ela incentive a derrubada de matas do Cerrado e outros biomas.

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Foto de área de floresta tropical parcialmente desmatada para cultivo agrícola
Norma da União Europeia abrange produtos como cacau, café, soja e carne bovina provindos de áreas de florestas tropicais derrubadas recentementeFoto: JANUAR/AFP/Getty Images

O acordo obtido na União Europeia (UE) nesta terça-feira (06/12) para aprovar uma regulação que proíbe a importação de produtos oriundos de áreas florestais tropicais desmatadas após dezembro de 2020 teve uma recepção mista por parte de organizações brasileiras de defesa do meio ambiente.

Elas saudaram a iniciativa como um importante marco global no combate ao desmatamento, mas criticaram o escopo geográfico da norma, que no Brasil abrange somente a Amazônia. Ficaram de fora o Cerrado, onde é produzia a maior parte das commodities brasileiras exportadas para UE, e outros biomas.

A normativa estabelece que Estados-membros da UE não poderão comprar cacau, café, soja, óleo de dendê, madeira, carne bovina e borracha, assim como vários materiais associados, como couro, chocolate e carvão vegetal, produzidos em áreas do bioma amazônico recém-desmatadas.

As empresas importadoras deverão demonstrar, por meio de relatórios de auditoria, que suas cadeias de fornecimento estão livres de desmatamento, e indicar quando e onde as commodities foram produzidas.

Elas também deverão comprovar que os direitos dos povos indígenas foram respeitados durante a produção das mercadorias. O não cumprimento pode resultar em multas de até 4% do faturamento de uma empresa em um país da UE.

Cerrado e outros biomas desprotegidos

O texto da UE rejeitou uma proposta para incluir outras áreas florestais em seu escopo, o que deixará 74% do Cerrado brasileiro fora da proteção. Entidades de defesa do meio ambiente receiam que esse desenho normativo irá provocar ainda mais pressão sobre o Cerrado e ampliar o seu desmatamento.

Guilherme Eidt, assessor de Políticas Públicas do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), salientou, ao Observatório do Clima, o risco de que o regulamento da UE intensificará o desmatamento do Cerrado, em especial se o acordo de livre comércio entre o bloco e o Mercosul entrar em vigor.

"A normativa deve servir de anteparo, um tipo de salvaguarda ambiental, para destravar o acordo UE-Mercosul. E o resultado disso para o Cerrado será uma maior aceleração do desmatamento e violação de direitos de povos e comunidades tradicionais", afirmou Eidt.

"Mais uma vez o Cerrado é colocado como bioma de sacrifício. Os europeus deram uma sinalização importante para o mundo, mas perderam a oportunidade de fazer uma lei efetiva. O Cerrado é a principal fonte de desmatamento importado pela Europa hoje. Para nós, aumenta o risco do esgarçamento dos recursos hídricos, crise de abastecimento d'água e energética para os maiores centros urbanos do país, e o acirramento da violência no campo", disse o assessor do ISPN.

Maurício Voivodic, diretor-executivo do WWF Brasil, também criticou a não inclusão do Cerrado no regulamento, mas saudou a iniciativa de forma geral e projeta que ela terá impacto positivo no combate ao desmatamento.

"A aprovação da legislação europeia é um marco importante na luta pelo fim do desmatamento. Ainda que devesse ter incluído o Cerrado para ter um efeito mais amplo no Brasil, foi importante que o texto final reconheceu e incluiu o direito dos povos indígenas", afirmou. "Para o Brasil, é uma mensagem clara e inequívoca de que o único caminho para a prosperidade do agronegócio é eliminar, o mais rápido possível, o desmatamento e a conversão das cadeias produtivas."

Um grupo de ONGs internacionais e brasileiras havia pedido em março à UE a proibição de todas as importações vinculadas ao desmatamento, incluindo biomas como o Cerrado, a Caatinga, o Pantanal e o Pampa – mas não teve sucesso no pleito.

No entanto, a normativa da UE prevê que a lei seja revista um ano após a entrada em vigor para reavaliar a inclusão de outras áreas florestais. Em dois anos, também haverá uma revisão para discutir a inclusão de outros produtos na restrição, como o milho.

Direitos humanos

Algumas entidades de defesa do meio ambiente aprovaram a inclusão do respeito aos direitos indígenas no regulamento, mas pontuaram que o texto poderia ter sido mais ambicioso e contemplar a observância de convenções internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que protege os povos indígenas.

A normativa da UE determina que o respeito aos direitos humanos será observado de acordo com as leis nacionais.

"A legislação europeia está longe de ser perfeita, mas ela dá um sinal importantíssimo para o mundo inteiro: o desmatamento não deve mais ser tolerado", disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. "Daqui para a frente os mercados se fecharão a quem destruir ou degradar florestas."

Impacto global

O regulamento do bloco é o primeiro do tipo no mundo e visa conter e reverter o desmatamento até 2030, uma das principais fontes de emissões de gases de efeito estufa que impulsionam as mudanças climáticas.

Os países-membros da UE serão obrigados a realizar verificações de conformidade abrangendo 9% das empresas que exportam de países com alto risco de desmatamento, 3% de países de risco padrão e 1% de países de baixo risco.

É possível, também, que a normativa seja usada como referência no futuro para a formulação de políticas contra o desmatamento por outros grandes importadores de commodities, como Estados Unidos e China.

A UE é responsável por 16% do desmatamento mundial por meio das importações – e é o segundo maior destruidor de florestas tropicais depois da China, de acordo com dados da WWF.

Países como Brasil, Indonésia, Colômbia e Malásia criticaram o plano do bloco europeu e argumentaram que as regras são muito rígidas e custosas.

bl (ots, DW)