O que é o novo Tratado do Eliseu?
23 de janeiro de 2018Quando o presidente Charles de Gaulle e o chanceler Konrad Adenauer colocaram suas assinaturas no Tratado do Eliseu, em 22 de janeiro de 1963, eles selaram a reconciliação entre os dois antigos "arquirrivais".
O tratado da amizade franco-alemã obrigou os governos em Bonn e Paris a consultações regulares, a uma cooperação política estreita e a um amplo intercâmbio juvenil. Desde então, mais de 8,4 milhões de jovens alemães e franceses participaram de programas de intercâmbio no país vizinho.
Por que um novo acordo?
O anúncio veio no aniversário de 55 anos do Tratado do Eliseu: o presidente Emmanuel Macron e a chanceler Angela Merkel querem negociar um novo tratado da amizade franco-alemã até o fim de 2018. A ideia não é nova. Principalmente a França fez reiteradas propostas de renovação, ainda que alterações no acordo original tenham sido feitas ao longo dos anos.
Como o Tratado do Eliseu apenas descreve um processo de cooperação, não se trata de modificar o ponto central do acordo, mas de enviar um sinal político: Berlim e Paris querem dar início a uma nova etapa na cooperação franco-alemã e, assim, preparar o caminho para uma reforma da União Europeia.
O que vai mudar com o novo acordo?
Num comunicado conjunto, Merkel e Macron abordaram iniciativas em vários campos políticos. Elas incluem a ampliação dos programas de intercâmbio de cidadãos de ambos os países, a proteção climática, uma maior integração econômica e uma cooperação ainda mais estreita na política externa e de segurança. Assim, os dois governos se mantêm dentro do escopo do tratado original.
Num resolução conjunta do Bundestag e da Assembleia Nacional, os dois parlamentos exigem também uma cooperação estreita das duas sociedades civis e listam exemplos bem concretos, desde centros de ensino profissionalizante unificados até um centro franco-alemão de inteligência artificial. Além disso, os deputados querem aprovar ainda este ano um acordo que fortaleça o intercâmbio entre os dois parlamentos. Pretende-se, por exemplo, implementar diretivas da União Europeia de forma unificada, nos dois países.
Ênfase nas línguas
O convidado de honra da cerimônia comemorativa aos 55 anos do Tratado do Eliseu no Bundestag foi aplaudido de pé: o presidente da Assembleia Nacional, François de Rugy, discursou em alemão durante 15 minutos. Sinais como esse são cada vez mais comuns.
Mais de meio século depois da assinatura do Tratado do Eliseu, subiu o número de políticos em posições de liderança que falam a língua do país vizinho. Principalmente Macron se cercou de vários especialistas em Alemanha.
Na sociedade civil, porém, a situação é bem diferente: o número de franceses que aprendem alemão está estagnado num nível baixo. Nos tempos de De Gaulle, cerca de metade dos escolares franceses aprendia alemão. Hoje são apenas 15%. Na Alemanha o número de estudantes de francês também está em queda.
A explicação está no domínio do inglês como língua franca na Europa e também no crescimento do interesse por espanhol, tanto nas escolas alemãs como nas francesas. O incentivo ao aprendizado das línguas deverá desempenhar um papel importante no novo Tratado do Eliseu.
Ênfase na economia
Para a França, a Alemanha é o principal parceiro comercial. Num espaço econômico franco-alemão, as economias dos dois países poderiam se aproximar ainda mais. "Não apenas com um mercado interno comum, mas também com regras comuns em direito financeiro e direito societário, com uma base de cálculo unificada dos impostos corporativos e, com tudo isso, com o reconhecimento de que, juntos, somos melhores do que cada um por si", explica o presidente do grupo parlamentar franco-alemão no Bundestag, Andreas Jung.
A vontade de equiparação não é nova: o presidente Nicolas Sarkozy e a chanceler Angela Merkel acertaram em 2011 a unificação do imposto corporativo nos dois países. A implementação nunca saiu do papel porque há muitos detalhes difíceis de serem acertados.
Ênfase na segurança
Um novo Tratado do Eliseu deverá se ocupar também da cooperação franco-alemã em questões de segurança e na luta contra o terrorismo. Neste ponto, os dois países já se aproximaram muito. Desde 1989 existe a Brigada Franco-Alemã, uma unidade militar unificada. Nos últimos anos, porém, ela perdeu importância e não desempenha um grande papel no cotidiano militar. Franceses e alemães também incorporam duas filosofias militares muito distintas: aqueles não se furtam de intervenções, enquanto estes são extremamente comedidos em operações militares. Com isso, sempre foi difícil transformar ideias em projetos concretos no campo da política de segurança.
Ênfase na cooperação de fronteiras
Falta de mão de obra em Baden, elevado desemprego na Alsácia: a aproximação nas regiões fronteiriças pode ser vantajosa aos dois países. Na prática, porém, as barreiras ainda são muito elevadas. A França, diante do temor da "concorrência barata" do Leste Europeu, criou uma muralha burocrática para se proteger, e também trabalhadores alemães se queixam de um isolamento, na prática, do mercado francês. As barreiras invisíveis entre os dois países podem vir a ser abordadas num novo Tratado do Eliseu.
Ênfase no futuro digital
No século 21, o bem-estar está fortemente ligado à revolução digital. Esse mercado é, hoje, dominado por gigantes americanas, como Apple, Google e Amazon. A Alemanha e a França poderiam, como defendido pelos deputados, tentar fomentar direta ou indiretamente empresas europeias no âmbito de um "centro franco-alemão de inteligência artificial".
No passado, porém, tentativa semelhante deu errado. Quando, na virada do milênio, o Google iniciou seu processo de dominação global, o então chanceler Gerhard Schröder e o presidente Jacques Chirac aprovaram o projeto de uma máquina de busca franco-alemã, conhecida como Quaero. Um ano depois, a Alemanha abandonou o projeto.