O que o plano de anexação pode significar para a Cisjordânia
2 de julho de 2020As especulações sobre se Israel levará mesmo adiante a planejada anexação de partes da Cisjordânia continuam a todo vapor na imprensa israelense. Também continua incerto quais partes deverão ser anexadas.
Em Ramallah, na Cisjordânia ocupada, jovens palestinos, como Salem Barahmeh, se mostram profundamente frustrados com o fato de o seu destino ser decidido por forças externas.
"Sou da geração Oslo, e nos foi feita a promessa de um Estado que nunca recebemos", comenta Barahmeh, que é diretor da ONG Instituto Palestino de Diplomacia Pública.
"Estamos extremamente frustrados e enfurecidos, mas também decepcionados porque o mundo não nos ouve. Nosso país já é, há muito tempo, colonizado na prática e ninguém fez nada contra isso."
Nesta quarta-feira (01/07), o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, poderia ter começado com a anexação de até 30% da Cisjordânia ocupada, com base no plano para o Oriente Médio apresentado pelo presidente Donald Trump. Mas, até o momento, há apenas especulações sobre quando essa anexação vai começar e o que ela englobará.
Inicialmente Netanyahu falou na incorporação do Vale do Jordão e de 135 colônias, tidas como ilegais pela comunidade internacional. Agora há relatos não confirmados de que o governo israelense poderia anexar inicialmente colônias isoladas ou blocos de colônias. As conversações com Washington continuam.
Fim da solução de dois Estados
"Estamos num momento que pode trazer consequências históricas para a região", avalia o coordenador da ONU para o processo de paz no Oriente Médio, Nickolay Mladenov. Ele alertou que esse passo unilateral fere o direito internacional e resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Além disso, a solução de dois Estados é posta em xeque.
Há anos que os palestinos perdem a esperança na solução de dois Estados. Para 45,3% dos consultados numa pesquisa feita pela Fundação Friedrich Ebert, a anexação por Israel praticamente enterra essa solução.
Barahmeh diz que essa ideia já está morta há muito tempo: a Autoridade Nacional Palestina só controla, na prática, cerca de 18% da Cisjordânia ocupada. Em todos os pontos importantes, o poder de decisão está com Israel.
"Israel controla a liberdade de ir e vir, os recursos hídricos, os serviços. Unidades israelenses vão todas as noites às cidades e aldeias para deter pessoas. Vivemos numa realidade de um Estado, na qual Israel controla todos os que vivem na área entre o rio Jordão e o mar", acrescenta.
Indiferença em Israel
A questão da anexação não desempenha um grande papel no cotidiano de muitos israelenses. Eles estão muito mais preocupados com a pandemia de coronavírus e a situação da economia do país, segundo uma pesquisa da Iniciativa de Genebra pelo fim do conflito.
Apenas uma pequena parte das pessoas ouvidas espera que o governo coloque a questão da anexação como prioridade máxima. Outras pesquisas revelaram resultados em parte contraditórios.
"Há uma pequena minoria de judeus israelenses que apoia alguma forma de anexação, mas não há qualquer consenso sobre como ela seria", diz o analista Ofer Zalzberg, do International Crisis Group. Segundo ele, a opinião pública muda dependendo do plano que é apresentado e de quem o apoia.
Os jovens israelenses Adar Keish e Tair Rosenblat estão a caminho de uma manifestação em Tel Aviv. Ambos são ativistas do Darkenu, um dos grupos que organizam protestos contra a planejada anexação.
Com o slogan "não à anexação, sim à economia e segurança", a ideia do protesto é falar para o centro político. A principal preocupação dos dois ativistas é com o futuro da economia de Israel.
"Não estamos com dinheiro sobrando para nos ocuparmos com quaisquer planos de anexação", comenta Rosenblat, que perdeu o emprego de garçonete durante a crise do coronavírus. "E queremos também que as pessoas do outro lado também tomem parte no processo."
Para ela, o governo deveria se preocupar mais com a geração de empregos do que com uma anexação unilateral e polêmica. Keish acrescenta que muitas pessoas nem mesmo têm ideia do que a anexação de fato significaria. Ele diz que o conflito já dura tanto tempo que muitas pessoas em Israel se tornaram indiferentes a ele.
Incerteza sobre a reação internacional
Como reação ao plano de anexação, a Autoridade Palestina encerrou todos os acordos de cooperação com Israel, incluindo a coordenação conjunta em questões civis e de segurança.
Na semana passada falava-se também, em círculos do governo palestino, numa dissolução da Autoridade Nacional Palestina, que surgiu depois do processo de paz de Oslo, em 1994.
Mas o primeiro-ministro palestino, Mohammad Shtayyeh, afirmou que vai priorizar a paz e a ordem. O governo dele enfrenta enormes dificuldades financeiras: a Autoridade Nacional Palestina não está conseguindo pagar os salários integrais por causa de desavenças sobre impostos e taxas aduaneiras que, normalmente, são transferidas mensalmente por Israel aos palestinos.
Na Faixa de Gaza, que é governada pelo Hamas, o braço militante deste grupo qualificou qualquer forma de anexação como declaração de guerra. Nos últimos meses, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, reiterou que qualquer anexação na Cisjordânia ocupada desrespeita o direito internacional.
Enquanto as conversações de alto nível entre os governos dos EUA e de Israel continuam, a União Europeia parece continuar aguardando os detalhes da planejada anexação para só então se posicionar.
Círculos europeus em Israel afirmam que provavelmente não haverá uma resolução conjunta na questão. A portas fechadas, a UE teria debatido o banimento de produtos de colônias israelenses e a exclusão de Israel de programas científicos.
Alguns países da UE avaliam reconhecer o Estado palestino – mas mesmo isso seria um passo apenas simbólico.
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