O que foi feito do ministro do Exterior da China?
21 de julho de 2023Nesta sexta-feira (21/07) completam-se 26 dias que Qin Gang, o chefe da diplomacia chinesa, não é visto em público. Oficialmente, a última vez teria sido durante seus compromissos diplomáticos de 25 de junho.
Tendo assumido o cargo em dezembro de 2022, aos 57 anos ele é um dos mais jovens ministros do Exterior da história da China, e era considerado homem de confiança do presidente Xi Jinping. Seu desaparecimento levanta questões complicadas para Pequim, tanto em nível doméstico quanto externo.
A ausência de Qin só foi abordada oficialmente há cerca de uma semana, quando o Ministério do Exterior anunciou que ele não compareceria à cúpula ministerial da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) na Indonésia, por "razões de saúde". Em vez de Qin, Pequim enviou para o encontro seu antecessor Wang Yi, também superior a ele na hierarquia do Partido Comunista da China (PCC).
O Ministério do Exterior tem sido repetidamente indagado sobre quando o titular retornará a seu posto. Na segunda-feira, a porta-voz Mao Ning respondeu que não tinha "nenhuma informação" para dar, e que "as atividades diplomáticas da China prosseguem como de praxe".
Na quarta-feira, perguntou-se ao embaixador chinês nos Estados Unidos, Xie Feng, se o ex-secretário de Estado Henry Kissinger, atualmente em visita a Pequim, se encontrara com Qin. Sua não resposta foi pouco esclarecedora: "Bem, vamos esperar para ver."
Péssimo momento para um sumiço
Não é incomum figuras políticas chinesas de destaque sumirem subitamente das vistas do público, para ressurgirem mais tarde, sem explicações conclusivas. Até mesmo o presidente Xi desapareceu por uma quinzena pouco antes de assumir, em 2012.
Segundo analistas, contudo, a situação de Qin é inusitada devido a sua posição e ao momento da ausência. "Enquanto ministro chinês do Exterior, ele precisa aparecer frequentemente no palco internacional, sobretudo num período em que a agenda diplomática do país está extremamente cheia", observa Deng Yuwen, ex-editor de um jornal do PCC e atualmente comentarista de atualidades nos EUA.
A segunda maior economia do mundo encara uma recuperação econômica mais lenta do que o esperado, após o afrouxamento das restrições devido à pandemia de covid-19, e empreende todos os esforços possíveis para contactar e atrair investidores, num frenesi de compromissos diplomáticos.
Para Wu Qiang, comentarista político independente na China, a ausência inexplicada de um alto funcionário como o ministro do Exterior sugere "um fracasso da diplomacia chinesa", capaz até de desencadear insatisfação com o governo entre as empresas nacionais.
Adiamentos e cancelamentos suspeitos
É claro que o desaparecimento tampouco passou despercebido fora da China. Um encontro entre Qin e o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, teve que ser adiado. Segundo a agência de notícias Reuters, a visita programada para duas semanas atrás foi cancelada apenas dois dias antes da chegada de Borrell.
Qin também faltou a outras reuniões de alto nível entre representantes chineses e americanos em julho, inclusive com a secretária do Tesouro Janet Yellen e o enviado especial para o clima John Kerry.
Indagada se o ministro acompanharia Wang Yi na cúpula do Brics de agosto, na África do Sul – assim como nas visitas à Nigéria, Quênia e Turquia – a porta-voz Mao replicou que não havia "nada mais a acrescentar" à composição da comitiva do diplomata-mor.
O mistério quanto ao paradeiro e status-quo de Qin tem suscitado especulações acaloradas entre diplomatas, analistas políticos e até o público do país. Na plataforma Weibo – equivalente chinês do Twitter – foram assistidos milhares de vezes os vídeos em que Mao responde aos questionamentos sobre a agenda do ministro. "Algo está definitivamente errado", comentou um usuário. "Muito provavelmente ele está sob investigação", acrescentou outro.
Pequim a caminho da autocracia "mística e imprevisível"?
Observadores do exterior também ventilaram teorias de que os apuros de Qin possam estar relacionados a um suposto caso amoroso com uma apresentadora de TV. O ex-redator Deng, porém, acha provável que o assunto vá permanecer no campo da especulação, devido à falta de provas.
Para muitos, por outro lado, a questão deixou de ser se o ministro reaparecerá "são e salvo" ou não: o episódio todo, em si, já é extremamente revelador do atual estado do governo do presidente Xi. Para o comentarista Wu, o abrupto sumiço de Qin é "altamente preocupante", indicando que Pequim estaria se movendo em direção a uma forma de liderança autocrática "mística e imprevisível".
Quando Xi Jinping iniciou seu inédito terceiro mandato como líder político da China, ele se cercou de lealistas para formar um círculo interno sólido, do qual Qin era um dos integrantes. Wu Qiang crê que, ao indicá-lo para a pasta do Exterior após menos de dois anos como embaixador nos EUA, Pequim contava que ele teria um papel crucial em "estabilizar suas relações com Washington".
Entretanto tais expectativas não se cumpriram quando um balão espião chinês sobre os EUA provocou tensões entre as duas potências. Disputas sobre os controles sobre a exportação de chips impostos pelos americanos e seus aliados vieram exacerbar o conflito.
Para Wu, talvez seja essa a razão da "trágica" situação de Qin. Deng Yuwen vai mais longe: se até o fim de julho o ministro não tiver reaparecido, "posso quase concluir que a sua carreira política chegou ao fim".