O que está por trás dos protestos de maoris na Nova Zelândia
19 de novembro de 2024Um projeto de lei para redefinir o tratado de fundação da Nova Zelândia, o Tratado de Waitangi, assinado entre a Coroa Britânica e os chefes indígenas maoris em 1840, desencadeou intensos debates políticos e levou dezenas de milhares a protestar em frente ao Parlamento do país nesta terça-feira (19/11).
Na semana passada, uma sessão no parlamento da Nova Zelândia chegou a ser brevemente suspensa depois que deputados maoris encenaram um "haka" – um tipo de dança de guerra famosa por sua associação com o time de rúgbi nacional – para protestar contra a votação do projeto.
É improvável que o projeto vire lei. Mas ele se tornou um ponto de tensão nas relações raciais no país e reavivou o debate de mais de 180 anos sobre como a Nova Zelândia deveria honrar suas promessas aos povos indígenas – e quais são essas promessas.
Segundo os oponentes do projeto, ele busca diluir os direitos dos maoris, que são cerca de 20% da população de 5,3 milhões e que têm níveis mais altos de pobreza e encarceramento e piores indicadores de saúde do que a população em geral.
O que é o tratado?
Assinado em 1840 entre a Coroa Britânica e mais de 500 chefes indígenas maoris, o tratado é considerado o documento de fundação da Nova Zelândia e estabelece como as duas partes concordaram em governar.
Ele criou princípios que orientam o relacionamento entre a Coroa e os maoris, em duas versões – uma em inglês e outra em maori.
O tratado prometia aos maoris os direitos e privilégios dos cidadãos britânicos, mas as versões em inglês e maori diferiam quanto ao poder que os chefes maoris estavam cedendo sobre seus assuntos, terras e autonomia.
Durante décadas, a Coroa violou ambas as versões. Em meados do século 20, a língua e a cultura maoris haviam recuado – os indígenas eram frequentemente impedidos de praticá-las –, terras tribais haviam sido confiscadas e os maoris estavam em desvantagem em muitos aspectos.
Como o tratado foi implementado?
Impulsionados por um movimento de protesto maori crescente, nos últimos 50 anos os tribunais da Nova Zelândia, os legisladores e o Tribunal de Waitangi – um órgão permanente criado para julgar questões relacionadas ao tratado – têm lidado com as diferentes versões do tratado e tentado corrigir as violações ao construírem, em suas decisões, o significado dos princípios do tratado, um conceito introduzido pelo Parlamento em 1975, sem defini-lo.
Esses princípios pretendem ser flexíveis, mas comumente são levados em conta uma parceria com a Coroa, a proteção dos interesses dos maoris e a participação na tomada de decisões. A interpretação do documento orienta a legislação e as políticas atuais.
Embora os maoris continuem sem direitos em muitos aspectos, o reconhecimento do tratado por meio da lei e as tentativas de reparação mudaram a estrutura da sociedade desde então. O idioma maori passou por um renascimento, e muitas palavras foram incorporadas ao cotidiano – mesmo entre os não maoris. Foram promulgadas políticas para combater as disparidades que os maoris comumente enfrentam.
Bilhões de dólares em reparações foram negociados entre a Coroa e as tribos por violações do tratado, especialmente a expropriação generalizada de terras e recursos naturais dos maoris.
Por que o atual debate?
Alguns neo-zelandeses estão insatisfeitos com as reparações. Eles encontraram uma voz no legislador David Seymour, o líder do pequeno partido político libertário ACT Nova Zelândia, que obteve menos de 9% dos votos na eleição de 2023, mas que conseguiu uma influência extraordinária para sua agenda como parte de um acordo de governo da coalizão de centro-direita.
A lei proposta por Seymour estabeleceria definições específicas dos princípios do tratado e as aplicaria a todos os neo-zelandeses, não apenas aos maoris. O legislador diz que a construção fragmentada do significado do tratado deixou um vácuo, deu tratamento especial aos maoris e discriminou os cidadãos não indígenas.
Seu projeto de lei tem ampla oposição – de ex-primeiros-ministros de esquerda e de direita, de 40 dos principais juristas do país e de milhares de neo-zelandeses maoris e não maoris que estão protestando por todo o país.
É improvável que o projeto de lei de Seymour seja aprovado na votação final. Os parceiros de coalizão do ACT, o Partido Nacional e o New Zealand First, concordaram em apoiar a legislação na primeira das três votações, que ocorreu na quinta-feira passada. Entretanto, ambos disseram que não apoiarão a legislação.
Os detratores afirmam que o projeto de lei ameaça uma reviravolta e removeria direitos assegurados no tratado que já estão consagrados na lei. Os críticos também criticaram Seymour – que é maori – por promover uma ação contra os povos indígenas.
Por que os manifestantes estão marchando?
As marchas pacíficas são uma tradição maori e já ocorreram em momentos cruciais durante a discussão nacional sobre os direitos dos tratados.
A polícia da Nova Zelândia estimou que mais de 40 mil pessoas se reuniram ao lado do Parlamento nesta terça-feira, após uma passeata pelo centro da cidade que fechou as ruas e atraiu milhares de espectadores, muitos segurando cartazes de apoio aos manifestantes.
Enquanto as pessoas que estavam do lado de fora do Parlamento agitavam bandeiras, cantavam músicas maoris e ouviam discursos, uma multidão se espalhou pelas ruas ao redor, que permaneceram fechadas ao tráfego.
Muitos estão marchando para se opor ao projeto de lei de Seymour. Mas outros estão protestando contra uma série de políticas do governo de centro-direita em relação aos assuntos maoris – incluindo uma ordem, motivada por Seymour, de que os órgãos públicos não devem mais adotar políticas para corrigir tratamento desigual aos maoris.