O que esperar da eurocética Hungria à frente da UE?
26 de junho de 2024Não foi exatamente uma surpresa quando a Hungria revelou na semana passada um slogan oficial com conotações trumpistas para o seu mandato de seis meses à frente da presidência da União Europeia (UE). Mesmo assim, "Make Europe Great Again" (Faça a Europa Grande Novamente) ainda causou certo alvoroço em Bruxelas.
O primeiro-ministro ultranacionalista da Hungria, Viktor Orbán, um aliado próximo do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, e também próximo do brasileiro Jair Bolsonaro, é o líder mais eurocético da União Europeia.
Na última década, seu governo entrou em conflito com a administração da UE e de Estados-membros do bloco em temas como o retrocesso democrático interno da Hungria, migração e, mais recentemente, o apoio militar à Ucrânia.
Budapeste utilizou frequentemente seu veto em votações importantes, paralisando políticas quando todas as outras nações do bloco estavam prontas para seguir em frente.
O país também teve bilhões de euros de fundos da UE inicialmente retidos devido a violações da democracia e do Estado de Direito, embora parte desse dinheiro tenha sido posteriormente liberado na sequência de reformas.
Além disso, só na semana passada, a Hungria foi multada em 200 milhões de euros por desrespeitar a lei de asilo da UE.
Desconfiança do Parlamento Europeu
A presidência do Conselho da UE é um cargo rotativo de seis meses, alternado entre os 27 Estados-membros. Dado que o papel da presidência é agir como um "intermediário honesto" entre os membros e elevar-se acima do interesse nacional, e que o país que detém a presidência é responsável por fazer avançar a agenda legislativa do bloco, o Parlamento Europeu questionou a aptidão de Budapeste para a tarefa.
Em junho do ano passado, a maioria dos legisladores da UE aprovou uma resolução perguntando: "como a Hungria será capaz de cumprir esta tarefa de forma credível em 2024, tendo em conta o seu desrespeito quanto à legislação da EU?". No entanto, a objeção não vinculativa não foi adiante.
Em 1º de julho de 2024, a Hungria começará a presidir reuniões ministeriais e cúpulas, sucedendo a Bélgica, atual detentora da presidência. Até ao final do ano, representará, também, outros Estados-membros nas negociações com o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia, o poder executivo da UE.
"Intermediário honesto" com um toque trumpista
Na terça-feira, em uma coletiva de imprensa em Budapeste, o ministro húngaro de Assuntos Europeus, Janos Boka, prometeu que seu país trabalharia de forma produtiva. "Como presidência, seremos intermediários honestos, trabalhando lealmente com todos os Estados-membros e instituições", disse.
Boka afirmou que a Hungria se esforçará durante seu mandato para aumentar a competitividade econômica da UE, reforçar sua política de defesa, lutar por uma "política de alargamento consistente e baseada no mérito" e conter a migração ilegal com fronteiras mais estreitas e deportações mais eficientes em cooperação com países não pertencentes à UE.
Além disso, Budapeste teria como objetivo remodelar o Fundo de Coesão – mecanismo que procura equilibrar as disparidades entre as regiões mais ricas e mais pobres do bloco – impulsionar uma "política agrícola da UE orientada para os agricultores", tendo simultaneamente em mente os protestos contra as medidas climáticas da UE, e enfrentar os desafios demográficos.
E depois veio o slogan oficial: "Faça a Europa Grande Novamente", disse Boka – uma referência clara ao famoso slogan de Trump "Make America Great Again" (Faça a América Grande Novamente), estampado em bonés de basebol vermelhos nos EUA.
As relações UE-EUA despencaram durante a presidência de Trump (2017-2021). Apesar de uma recente condenação criminal, Trump é candidata à Casa Branca pelo partido republicano nas eleições de novembro.
"Na verdade, mostra a expectativa de que juntos seremos mais fortes do que individualmente, mas que deveremos poder continuar a ser quem somos quando nos unirmos", destacou Boka referindo-se ao slogan da Hungria.
Um membro "rebelde" assume as rédeas
Para Alberto Alemanno, professor de direito da UE na universidade HEC de Paris, a Hungria não deveria assumir a presidência.
"A minha maior preocupação em relação à presidência húngara é que normalize ainda mais a ideia de que um Estado-membro rebelde possa desrespeitar as regras do jogo e, ao mesmo tempo, se beneficiar dele", disse à DW.
Budapeste assume o poder num momento de transição em Bruxelas. As eleições para o Parlamento Europeu ocorreram em junho, e a nova Comissão Europeia só verá a sua composição definitiva no final do ano. Neste contexto, provavelmente haverá pouquíssimas novas iniciativas legislativas.
Obstáculo para Kiev
A presidência húngara é particularmente sensível para a Ucrânia, que busca ingressar na UE. Kiev espera avançar rapidamente para abrir conversações concretas sobre as reformas necessárias para que sua adesão possa ir adiante, conhecidas no jargão da UE como "capítulos de negociação".
Na terça-feira, Boka sugeriu que nenhum movimento importante neste sentido deve ocorrer antes de 2025.
"De acordo com as minhas expectativas, durante a presidência húngara, a questão da abertura de capítulos não será levantada de forma alguma", disse a jornalistas.
Acordo verde sob pressão da direita
Alemmano também acredita que a presidência húngara pode influenciar as políticas climáticas históricas da UE e, particularmente, o estabelecimento de metas para 2030 que deveriam colocar a UE no caminho para alcançar a neutralidade climática até 2050.
"O governo [do partido] Fidesz da Hungria criticou frequentemente o 'Acordo Verde' da UE e a agenda climática", diz Alemmano. "Num cenário político que se espera que se desloque para a direita [após as recentes eleições na UE], a presença de um país cético em relação ao clima à frente do Conselho durante o segundo semestre de 2024 poderá impactar o posicionamento da UE", argumenta.
Sem grandes perturbações
No entanto, a Hungria não deve ser um problema à frente da presidência. A grande maioria das propostas legislativas provém da Comissão Europeia e são assinadas pelos Estados-membros e pelo Parlamento Europeu.
Um diplomata da Europa Ocidental disse à DW, sob condição de anonimato, que espera seis meses bastante normais.
"Orbán e seu povo estão muito conscientes de que outros Estados-membros intervirão e assumirão o poder se eles bagunçarem a agenda da UE", disse.
"No máximo, eles usarão a plataforma para fazer 'brincadeiras', como no caso do slogan. Cabe a todos nós sermos disciplinados o suficiente para não mordermos a isca", afirmou.