O ocaso da Odebrecht
28 de julho de 2020A Odebrecht dará início em breve ao maior processo de recuperação judicial da história do Brasil. Ele tentará resgatar um conglomerado que, durante décadas, foi sinônimo de riqueza e influência no país, mas que, nos últimos anos, passou a ser associado a um escândalo de corrupção sem precedentes na cena político-empresarial brasileira.
O processo de recuperação judicial, que se aplica à Odebrecht e 11 empresas do grupo, foi autorizado nesta segunda-feira (27/07) e envolve dívidas totais estimadas em quase 100 bilhões de reais. Ele marca o ocaso de um conglomerado que chegou a faturar 132 bilhões de reais e empregar 193 mil pessoas, mas que começou a ruir há cinco anos, quando veio à tona o gigantesco escândalo de corrupção que atingiu as mais altas esferas da política brasileira e latino-americana, incluindo vários presidentes e ex-presidentes.
As investigações levaram à prisão, em 2015, do então presidente do grupo Odebrecht, Marcelo Odebrecht, um dos empresários mais poderosos do país e que liderou durante anos o grupo de empresas fundado em 1944 por seu avô Norberto Odebrecht.
A Lava Jato descobriu que a construtora do grupo tinha um departamento específico para o pagamento de propinas, com apelidos para esconder a identidade dos beneficiários, num complexo quebra-cabeça que as autoridades montaram em parte graças às confissões de 77 de seus antigos funcionários e executivos.
Dada a magnitude do escândalo, o consórcio reconheceu publicamente a existência de corrupção dentro de suas empresas e admitiu ter pagado bilhões de dólares em subornos em 12 países da América Latina e África para obter contratos de obras. Depois, assinou acordos com autoridades de vários países e prometeu pagar milhões em multas em troca de continuar a operar, mas o cerco judicial acabou desestabilizando as contas do império.
Ascensão e queda
Antes de ser tragada pela Lava Jato, a Odebrecht ostentava orgulhosamente o nome como uma espécie de "Made in Germany". Em livros escritos por membros da família e na história oficial do grupo, a origem alemã do seu fundador, Norberto Odebrecht, sempre foi citada com destaque, como um suposto atestado de veia empreendedora e de rigor em relação ao trabalho.
Fundado em 1944, o conglomerado começou a ascender de fato durante a ditadura militar. Com o golpe de 1964, veio a nacionalização das atividades da empresa, antes basicamente focadas no Nordeste brasileiro. O regime militar impôs um sistema ainda mais ávido por grandes obras. Além disso, os militares proibiram, em 1969, a atuação de empreiteiras estrangeiras, o que criou uma reserva de mercado para empresas como a Odebrecht.
No período, a Odebrecht conseguiu obras importantes, como o Aeroporto do Galeão e a usina nuclear Angra 1. Isso mudou completamente o perfil da empreiteira. Entre 1969 e 1974, a Odebrecht pulou do 19º para o terceiro lugar no ranking das construtoras nacionais.
Com o fim do "milagre" brasileiro e a paralisação de grandes obras no final dos anos 1970, a Odebrecht passou a se expandir para países como Peru, Chile, EUA e Angola. No Brasil, começou a comprar empresas de saneamento e polos químicos privatizados nos anos 1990, durante os governos Fernando Collor e FHC.
A prosperidade da Odebrecht durante o regime militar quase foi obscurecida pela experimentada na Era Lula (2003-2010), quando o Estado retomou a prática de financiar grandes obras. Sob os petistas, o grupo viu o faturamento pular de 17,3 bilhões de reais em 2003 para 107,7 bilhões em 2014.
Parte da expansão se deu graças a generosos empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e grandes obras para a Copa e os Jogos Olímpicos. Ao mesmo tempo, segundo revelações da Lava Jato, a organização irrigava campanhas políticas do PT e de outros partidos, inclusive da oposição.
O sistema começou a ruir a partir de 2014, quando a Odebrecht caiu na mira da Lava Jato. Em 2015, Marcelo, então presidente da empresa e o nono homem mais rico do Brasil, foi preso. Acabou sendo condenado a 19 anos de prisão. À época, a Odebrecht empregava 175 mil funcionários em 25 países.
Durante a devassa na companhia no âmbito da Lava Jato, investigadores descobriram o setor de "operações estruturadas" – na prática, um departamento de propinas para políticos e funcionários de estatais. O setor funcionava pelo menos desde o governo Sarney (1985-1990) e se expandiu nas administrações seguintes, quando a Odebrecht começou a abocanhar estatais privatizadas.
Com a Lava Jato, veio também a ruína financeira da Odebrecht, que teve vários de seus principais executivos presos e viu suas linhas de financiamento serem interditadas para uma dívida que chegou a 110 bilhões de reais.
As receitas enfrentaram então forte queda, e a companhia passou a vender ativos (Odebrecht Ambiental, Embraport, Via Rio, Via 4, Galeão, e Supervia). O processo, porém, não foi suficiente para equilibrar as contas. A empresa, que chegou a ter mais de 190 mil funcionários em 2013, reduziu o quadro para 45 mil, entre trabalhadores diretos e indiretos. Em 2019, entrou com pedido de recuperação judicial.
Recuperação judicial
A Odebrecht entrou com o pedido de recuperação em junho de 2019, após enfrentar dificuldades financeiras por seu envolvimento no escândalo de corrupção da Lava Jato. O pedido foi aceito nesta segunda-feira.
A recuperação judicial da Odebrecht é a maior da história do país. As dívidas totais são estimadas em 98,5 bilhões de reais, dos quais 54 bilhões são alvo da reestruturação. O valor restante é relacionado a dívidas entre companhias do próprio grupo e créditos extraconcursais, que não fazem parte do processo.
A empresa terá dois anos para executar o plano, que foi aprovado pelos credores em abril. De todo o lucro que a empresa gerar no período de recuperação, 80% serão dados aos credores. O prazo máximo para o pagamento completo é de 40 anos.
Os maiores credores da Odebrecht são bancos públicos – BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal – e detentores de bônus no exterior.
O processo que levou à aprovação da recuperação judicial da Odebrecht pelos credores foi conturbado, com oposição de bancos públicos como BNDES e Caixa. O processo também teve, desde que foi aprovado, em abril, diversos credores questionando o plano, entre eles Marcelo Odebrecht, que trava disputa judicial com a empresa e seu pai, Emílio.
Em comunicado, Ruy Sampaio, diretor-executivo da empresa, disse nesta segunda-feira que, com a aprovação da recuperação judicial, os olhos da Odebrecht "se voltam para o futuro". "É hora de reforçar [...] a prática do melhor que aprendemos durante 75 anos de história ", afirmou em comunicado.
RPR/dw/efe/ots
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