O luxo devora o popular
26 de setembro de 2005O anúncio de que a Porsche pretende comprar 20% das ações da Volkswagen provocou reações contraditórias: os políticos alemães, felizes com uma solução doméstica para a crise em sua mais famosa montadora de veículos, elogiaram. O mercado financeiro, porém, demonstrou abertamente sua desconfiança: na manhã desta segunda-feira (26/09), as ações da Porsche desabaram 11%, enquanto as da Volks subiram em ritmo bem menor: 1,7%.
Se o negócio for concretizado, a Porsche se tornará a principal acionista da Volkswagen. Entretanto, como a Volks passa por um grande processo de reestruturação – cortes de funcionários e também de custos de produção –, o mercado financeiro não vê a entrada da lucrativa Porsche na montadora popular com bons olhos. "A curto prazo, a incorporação vai reduzir os lucros de ambas os grupos, com a Porsche correndo os maiores riscos", afirmou a agência de análises financeiras JP Morgan em nota.
A Volkswagen é atualmente vista como uma empresa pouco competitiva. Além de exibir resultados financeiros claudicantes – produz seis milhões de carros ao ano, mas vende somente cinco milhões –, a montadora também não consegue reduzir custos de forma satisfatória.
Nos últimos anos, houve vários cortes de mão-de-obra nas unidades do grupo em todo o mundo, mas o esforço ainda não foi suficiente: há duas semanas, a Volkswagen anunciou uma redução do quadro funcional que pode atingir até 15 mil de seus 103 mil trabalhadores na Alemanha.
Visão de longo prazo
Após o anúncio da intenção de adquirir parte da Volks, muito se falou do sentido patriótico do gesto da Porsche: a compra evitaria que um sócio estrangeiro entrasse na Volkswagen, mesmo após o fim da lei que protege a empresa de ser incorporada por grupos internacionais, que deve ser revogada em 2007 pela Corte Européia de Justiça.
Entretanto, patriotismo não parece ser motivo suficiente para o desembolso de 3,3 bilhões de euros que a montadora de veículos de luxo terá de fazer, caso o negócio com a Volks se concretize.
Naturalmente, o plano da Porsche – representada pela família Piëch – é mais amplo. Nos próximos anos, o Estado alemão da Baixa Saxônia provavelmente poderá ter de vender os 18,2% que ainda possui da companhia. Em vez de repassar suas ações para um sócio estrangeiro – geralmente grandes fundos de pensão –, especula-se que o Estado daria preferência para o clã Piëch.
Desta forma, a Porsche chegaria a quase 40% de participação na Volkswagen, praticamente eliminando as chances de que a empresa seja incorporada por um grupo internacional.
Reações positivas
Em reação ao anúncio da Porsche, o governador da Baixa Saxônia, Christian Wulff, disse que a parceria entre as duas montadoras alemãs é bem-vinda. "É uma grande oportunidade para ao país em termos de qualidade, imagem e inovação tecnológica", afirmou. "As conversas estão evoluindo de forma positiva. O Estado (da Baixa Saxônia) está comprometido com a Volkswagen."
Mas não foi só o governador do Estado-sócio da Volkswagen que comemorou a união das duas gigantes da Alemanha. O ministro alemão da Economia, Wolfgang Clement, afirmou que o negócio é bom para as duas montadoras e também para a estagnada economia alemã. "Estou satisfeito que a Porsche, um investidor que pensa a longo prazo, está apostando na Volkswagen."
Uma história conjunta
Embora a Porsche e a Volkswagen representem dois extremos do mercado alemão de automóveis – o carro "popular" e o veículo de luxo –, as empresas partilham parte de suas histórias. As montadoras têm uma herança comum na figura de Ferdinand Porsche, o engenheiro austríaco que desenhou o Fusca e cujo filho, mais tarde, fundou a empresa de automóveis esportivos.
Recentemente, a Porsche fechou um acordo para a produção do modelo esportivo Cayenne na fábrica da Volkswagen na Eslováquia, o que reduziu significativamente o investimento para a montagem do veículo. Além disso, há poucas semanas, as duas montadoras anunciaram uma parceria para o desenvolvimento de veículos híbridos que funcionariam tanto a gasolina quanto a eletricidade.