O homem que diz ter aprendido alemão em duas horas
1 de outubro de 2015Quando Pep Guardiola fez sua estreia como treinador do Bayern de Munique, surpreendeu a Alemanha com a rapidez com que havia aprendido o idioma. Durante sete meses, quatro horas por dia, uma professora particular acompanhou o técnico para que ele pudesse fazer sua apresentação ao clube em alemão.
Há outro espanhol, contudo, que viajou à capital da Baviera e aprendeu o idioma ainda mais rápido: segundo ele, durante o próprio voo. Na ocasião, Ramón Campayo iria participar do seu primeiro Campeonato Mundial de Memorização, em 2003. E ele não só venceu a competição, como bateu vários recordes mundiais de memória rápida.
Em entrevista à DW, o recordista mundial de memorização contou sobre o feito no aprendizado do alemão e falou sobre o método que desenvolveu para ajudar estudantes a aprender o idioma de Goethe.
Deutsche Welle: É verdade que você aprendeu alemão durante as duas horas de voo para Munique?
Ramón Campayo:Na verdade, foi durante uma hora e 40 minutos. Até esse momento, sempre havia feito minhas conferência em inglês, e pensei que também podia fazer isso em alemão. Tenho uma técnica avançada para a aprendizagem de idiomas e memorização de vocabulário. O que fiz foi apenas colocá-la em prática dentro do avião. E, sim, pude fazer a palestra e me comunicar com as pessoas em alemão.
Neste ano, você passou férias em Munique. O alemão continua fresco na sua memória?
Sim. O segredo é como memorizar o vocabulário e logo começar a trabalhar com frases muito simples. Assim, fica guardado durante muito tempo na memória. No alemão, por exemplo, se você chamar todo mundo pelo pronome de tratamento formal, o "Sie", ou falando na primeira pessoa do plural ("wir"), não tem que se preocupar em conjugar os verbos. E isso simplifica muita coisa.
Além desses truques, seu método consiste então em começar por aprender as palavras pelo dicionário...
Sim, mas não todo o dicionário, apenas, óbvio, as palavras mais importantes. Estamos falando de cerca de umas mil palavras. O segredo é saber memorizá-las de uma forma fácil, rápida e efetiva. Não com a repetição, mas sim com a associação de imagens que podem chamar a atenção do nosso subconsciente de forma poderosa.
Como é essa técnica de memorização através de imagens?
O que a mente processa, na verdade, são imagens. Se alguém te ensina a palavra de um idioma para "maçã", você sabe que é uma maçã porque já viu uma antes. Se nos ensinam uma coisa amorfa que você nunca viu, tratamos de comparar essa imagem com outras que já temos arquivadas e, como não coincide com nenhuma, decidimos que não sabemos o que é. Quando estamos memorizando, realmente nos preocupamos em ver imagens, dar-lhes ação e relacioná-las para que sejam atraentes para nosso subconsciente – onde está a memória. Assim, essa parte de nossa mente pode reter essa informação de forma sólida.
Pode dar um exemplo?
Em alemão, "trennen" é o verbo para "separar". Eu sei o que "separar" significa, logo posso imaginar alguém separando algo com os braços. Porém, para um falante do espanhol, "trennen" não significa nada, é um borrão. Temos que converter esse borrão em uma imagem. E, para alguém que fala espanhol, uma boa imagem seria um trem, ver trens, porque soa parecido com "trennen". Assim, você visualiza uma pessoa muito forte que está esticando seus braços e separando, com eles, dois trens. Desse jeito, toda vez que pensar em "separar", em alemão, virá à sua cabeça a palavra "trennen".
Qual é a origem dessas técnicas de memorização?
Bom, sabe-se que, há milhares de anos, os romanos usavam técnicas parecidas, mesmo que um pouco mais simplificadas. A História está cheia de memorizadores que foram desenvolvendo suas técnicas, todas bastante parecidas. Meu método, porém, é diferente na parte em que treina essas capacidades. Digamos que aprender a técnica é algo mais comum, mas, por outro lado, está a forma de treiná-la. Eu me preocupo em fazer tudo depois com grande velocidade e em estudar os mecanismos. Em testes com encefalogramas, pode-se ver que, enquanto se treina em alta velocidade, a voltagem do cérebro dispara, e as sinapses entre os neurônios são produzidas com maior velocidade. Desse modo, estamos convertendo nossas células cerebrais em músculos mais potentes.
Além do vocabulário, existe a gramática alemã, que também é muito complicada.
Sim, correto. Isso vem depois. Uma vez que adquirimos o vocabulário, tem que começar a falar com velocidade frases curtas, para que todo esse vocabulário vá se desenrolando de forma ágil. Somente quando somos capazes de falar, no alemão, utilizando o caso nominativo e, se for possível, o caso acusativo em frases simples, falando com velocidade, aí é quando o corpo pede mais. Já não temos freios. E já nos defendemos em alemão sem problemas. E é aí que começamos a introduzir a gramática.
Então começando falando de forma incorreta, como Tarzan e Chita, e depois vamos aperfeiçoando?
Não, não é como Tarzan. De forma alguma. Fazemos como em inglês, um idioma em que não se conjuga. O inglês diz "eu comer" ("I eat"), e isso, em inglês, é perfeito. Se, em alemão, dizemos "nós comprar" ("wir kaufen"), é um alemão perfeito. Ninguém pode me dizer que isso é falar como Tarzán e Chita.
O seu QI é de 194. Você julga as pessoas pela inteligência delas?
Não, claro que não. Nós todos somos muito complexos, cada um tem suas capacidades. E as capacidades mentais podem se desenvolver em maior ou menor medida. O mais importante é o equilíbrio, se sentir bem consigo mesmo. Se superar também é bom. Porém, é claro que o QI reflete apenas uma das muitas capacidades que temos. Existem outras que são tão ou mais importantes, como a própria memória ou a imaginação. E outras capacidades que se desenvolvem: autoconfiança, autoestima, etc. O ser humano é muito complexo.
Não é preciso se sentir frustrado depois de passar dois anos estudando alemão e ainda não ser capaz de falar corretamente?
Não, é óbvio que isso é questão de técnica. No livro que escrevi, Aprende alemán em sete dias (não lançado no Brasil), eu explico. É questão de técnica e qualquer um pode aplicá-la.
Além da memorização, quais outras técnicas você oferece?
Se quero memorizar uma grande quantidade de informações, a primeira coisa que tenho que fazer é ler rápido. Só que não é o suficiente: se você é capaz de ler rápido, mas não entende tudo, não temos nada. Também é preciso desenvolver a capacidade de processamento mental. Logo, você lê e entende muito rapidamente, mas descobre que poucos segundos depois já não se lembra de nada. Você também tem que treinar a memória de longo prazo, que vai fazer com que essa informação já memorizada possa durar muito tempo em nosso subconsciente sob nosso controle. Digamos que isso, unido à capacidade de concentração e autoconfiança, faz com que se chegue a resultados que se manifestem também na vida diária.
Antes de desenvolver suas técnicas de memorização e de leitura rápida, você já tinha habilidades fora do normal – ou teve de treiná-las?
Bom, a verdade é que, desde pequeno, sempre ia bem. Tinha capacidade, era rápido, pegava as coisas com bastante facilidade, gostava muito de exatas e tirava boas notas sem me esforçar. Talvez eu tivesse essa vantagem. De toda forma, o importante é a técnica e o treinamento posterior.