O homem que desafiou as ambições coloniais alemãs
23 de fevereiro de 2024Quem foi Quane Martin Dibobe?
Dibobe nasceu perto de Douala, Camarões, em 1876, onde seu pai ocupava um cargo político local. Ele foi educado em uma missão em Camarões, onde aprendeu a ler e a escrever em alemão. Ele chegou à Alemanha em meados da década de 1890 para participar da Grande Exposição Industrial de Berlim.
Como foi a primeira exposição colonial alemã de 1896?
A feira tinha como objetivo mostrar que a Alemanha era uma "terra de oportunidades ilimitadas". Havia um esforço conjunto de propaganda para convencer os alemães de que era correto o país ter colônias, o que incluía exposições etnológicas da "vida cotidiana nas colônias" – ou o que hoje chamaríamos de zoológico humano.
Dibobe foi apenas um dos mais de 100 africanos que chegaram a Berlim – alguns levados à força, outros atraídos por promessas de pagamentos. Eles eram Herero, Nama e Massai, entre outros povos, vindos de territórios alemães que hoje são os países Namíbia, Togo, Tanzânia e Camarões.
Dibobe era conhecido apenas como "Número 76". Na realidade, ele e outros não eram nada parecidos com os "nativos primitivos" apresentados nessas "exposições etnológicas".
Ao longo de seis meses, cerca de 7 milhões de alemães compareceram à exposição para ver Dibobe e outros como ele serem forçados a representar uma vida imaginada – cozinhando, dançando, caçando – em uma falsa aldeia africana.
Dibobe e muitos outros foram obrigados a se submeterem a exames físicos humilhantes realizados por estudantes da incipiente ciência racial alemã, para provar a já desacreditada pseudociência da eugenia.
O que Dibobe fez após a exposição?
Dibobe ficou em Berlim, o que não era incomum. Os poucos africanos eram geralmente aceitos em espaços cosmopolitas e podiam encontrar empregos ou estágios. Dibobe tornou-se artífice, depois ingressou na companhia ferroviária de Berlim. Ele se casou com a filha de seu locador, após o missionário que o havia batizado em Camarões ter confirmado sua identidade.
Em 1902, Dibobe tornou-se maquinista do metrô de Berlim – o primeiro negro nessa posição em toda a Alemanha, um trabalho de prestígio na época – e tornou-se uma celebridade.
Mais tarde, ele escreveu: "Por meio de eficiência e conduta impecável, ganhei um cargo de confiança".
Dibobe retornou a Camarões?
As autoridades coloniais enviaram Dibobe de volta a Camarões em 1907 para prestar consultoria sobre a construção de uma linha ferroviária.
Dibobe ficou chocado com o que viu: os espancamentos, a expropriação, o racismo e os maus-tratos sofridos pelos camaroneses nas mãos das empresas alemãs.
A infraestrutura alemã em Camarões existe até hoje, e alguns historiadores falam de uma nostalgia dos locais pela era alemã se comparada às práticas de exploração da França e da Grã-Bretanha, que assumiram as colônias alemãs depois de 1919, com a derrota do país na Primeira Guerra Mundial.
Qual era a situação dos súditos coloniais alemães?
De volta à Alemanha, Dibobe participou de greves de trabalhadores, apoiou os sociais-democratas e participou ativamente da organização da Liga dos Direitos Humanos, formada em 1914.
À medida que mais pessoas negras chegavam a cidades como Berlim, Hamburgo e Bremen, Dibobe e muitos outros que permaneceram na Alemanha se viram em uma situação semelhante: em uma vida sem cidadania e sem direitos.
As autoridades não tinham a intenção de conceder aos habitantes das colônias alemãs os mesmos direitos dos cidadãos alemães, pois isso significaria que a lei teria de ser aplicada igualmente nas colônias.
Assim, em meados de 1919, em nome dos africanos que viviam nas colônias alemãs, Dibobe e 17 outros afro-alemães fizeram uma petição ao governo pedindo representação, direitos iguais e o fim do trabalho forçado, entre outros 32 pontos, ao mesmo tempo em que juraram lealdade à República de Weimar.
O que aconteceu com a petição de Dibobe?
Como a Alemanha havia cedido suas colônias a outras nações europeias de acordo com o Tratado de Versalhes, as exigências da petição nunca foram reconhecidas.
Dibobe perdeu o emprego na ferrovia e tentou retornar a Camarões em 1922. Entretanto, os novos governantes coloniais franceses recusaram sua entrada por acreditarem que ele causaria distúrbios. Dibobe, de 45 anos, foi para a Libéria e não deixou rastros. Presume-se que ele tenha morrido por lá.
Como resultado, Dibobe não é muito conhecido em Camarões, já que a maior parte do seu legado está associado ao tempo que passou na Alemanha.
Mais de um século depois, a petição de Dibobe é considerada um dos documentos políticos mais importantes da migração africana do início do século 20.