O enigma do sucesso escolar dos vietnamitas
23 de março de 2016Quem visita a casa dos Le Pham encontra um pedaço do Vietnã na Alemanha. A família vive num edifício habitacional numa cidadezinha da região do Rio Reno. Seu apartamento cheira a arroz, ervas frescas e molho de peixe.
A biografia dos pais também se assemelha à de muitos dos cerca de 100 mil cidadãos do Vietnã ou alemães de origem vietnamita que hoje vivem na Alemanha. O corpulento pai, Than Yen Le, fez o curso médio no país natal, indo posteriormente para a República Tcheca, onde se formou em engenharia mecânica.
Após o colapso do bloco soviético, ele decidiu ir para o Ocidente e vive na Alemanha desde 1991. Hoje, possui um restaurante asiático em Colônia. Antes de ir para a Alemanha, em 2004, sua esposa Thi Lam Pham fez curso de design de moda no Vietnã. Atualmente ela trabalha num estúdio de manicure.
Irmãos aplicados
O casal tem dois filhos: o reservado Minh Anh e o mais jovem e esperto Minh. Indagados de que disciplina escolar mais gostam, Minh responde sem hesitação: "Música e arte!" O primogênito Minh Anh diz, baixinho: "Esporte e matemática, matérias que são fácies."
Eles cursam o quinto e sexto ano num gymnasium (escola que possibilita o ingresso na universidade). Em 2015, o mais velho foi representante de turma; neste ano, é a vez do mais novo assumir o cargo. Orgulhosa, a mãe conta que os meninos gostam de ir à escola e que ela não tem que ir sempre à reunião de pais, pois a professora está bem contente com o desempenho escolar dos dois.
Como ambos os pais trabalham, Minh e Minh Anh permanecem na escola até as 16 horas. A mãe às vezes só chega em casa às 18 horas, o pai, em geral, não antes das 21 horas. Também nesse ponto os Le Pham não são atípicos: para sustentar a família, grande parte dos vietnamitas tem que trabalhar muito. Para as crianças, isso significa se tornar independente muito cedo.
Os garotos contam que, após o horário escolar, estudam para o dia seguinte. "Ou eles já vão preparando o jantar", interfere a mãe. Além disso, o mais novo tem aulas de violão, enquanto o mais velho joga tênis na escola. Apesar das condições não tão fáceis, os garotos são bons na escola. O mais velho poderia ter pulado um ano, mas a mãe não quis: "É melhor ele aprender passo a passo."
Sucesso escolar enigmático
O bom desempenho escolar dos Le Pham também se aplica a muitos outros vietnamitas na Alemanha, que, em média, chegam a ser melhores do que muitos alemães. Para o ano letivo 2013/2014, o Departamento Federal de Estatística da Alemanha constatou que 64,4% dos adolescentes de origem vietnamita frequentam o gymnasium, contra 47,2% dos alemães.
A constatação em si não é novidade e também já foi vista nos EUA há muitos anos. Os cientistas estão interessados no que está por trás disso: como se explica a diferença entre os diversos grupos étnicos? A questão foi investigada em 2015 pelo sociólogo Bernhard Nauck, da Universidade de Chemnitz, e pelo pedagogo Birger Schnoor, da Universidade de Hamburgo. Num estudo empírico, eles analisaram 720 famílias alemãs, vietnamitas e turcas.
Num primeiro passo, os dois cientistas analisaram a explicação clássica para o sucesso escolar: ou seja, quanto maior a renda familiar de uma família, melhor a rede social e quanto maior o nível de escolaridade dos pais, mais bem-sucedidos os filhos são na escola. Com base nesse modelo, no entanto, as crianças vietnamitas deveriam ter o mesmo desempenho dos filhos dos turcos. "Mas eles não têm. Esse enigma é justamente o objeto de nossa pesquisa", comentou Nauck em conversa com a Deutsche Welle.
Buscando explicações alternativas
Depois de o assim chamado "modelo dos recursos" ter sido descartado como possível explicação, os pesquisadores procuraram alternativas. "O primeiro suspeito foi, naturalmente, o estilo de criação." Em outros estudos, Nauck já pôde comprovar que a educação vietnamita é muito mais rigorosa do que a proporcionada pelos pais alemães.
Contudo a tese de um "estilo autoritário de educação igual a sucesso na escola" não se sustentou após um exame empírico. "Não procede que quanto mais autoritários são os pais, maior o sucesso escolar."
Os cientistas também avaliaram outra possível explicação para o bom desempenho de escolares vietnamitas: trata-se do legado confunciano, segundo o qual a educação é um valor em si e um bom diploma escolar dos filhos contribui para a boa reputação dos pais.
Mas aqui também vale: "Tantos os grupos de migrantes turcos quanto os vietnamitas se destacam por apostar fortemente na escola quando se trata de ascensão e reconhecimento sociais." Portanto essa abordagem tampouco levou adiante a investigação.
Mudança de perspectiva
Bernhard Nauck admite que a questão do sucesso escolar de filhos de migrantes vietnamitas continua sem resposta, mesmo depois da pesquisa. Mas ele tem algumas ideias sobre como continuar a investigação: talvez até agora se tenha focado os pais demasiadamente, negligenciando-se os filhos.
Uma mudança de perspectiva poderia fazer o estudo avançar. "Possivelmente tem bem mais a ver com as reações dos pais ao comportamento dos filhos; com que rapidez eles desistem, se o sucesso escolar das crianças não se manifesta", explicou o sociólogo.
"Nesse ponto, há indícios de que os pais do Sudeste Asiático se diferenciam substancialmente de outros migrantes e também dos alemães." Como exemplo, Nauck menciona o reforço com aulas particulares.
Na Alemanha, as notas escolares vão de 1 a 6, sendo 1 a mais alta. Enquanto, via de regra, os genitores alemães ainda não cogitam em contratar um professor particular se o filho recebe um 4, para muitas famílias vietnamitas um 2 já seria motivo para aulas extras.
Integração só com educação
Nauck se diz convencido de que educação também é importante quando se trata de integração. "Quanto mais instruída é uma pessoa, melhor ela consegue lidar com as diferentes situações da vida."
Além disso, uma boa educação é o melhor bilhete de ingresso para a vida profissional, "na Alemanha ainda mais do que em qualquer outra sociedade". Isso também é óbvio para muitos imigrantes: como eles almejam à ascensão social, "caso contrário não teriam emigrado", educação "é a única carta em que podem realmente apostar".
Demonstrando essa ambição, Minh, o filho mais jovem, diz querer virar apresentador de TV – não de um programa qualquer, mas do Tagesschau, o principal noticiário da Alemanha. Ele já treina, fazendo vídeos com o celular da mãe. E, mesmo ainda não sabendo o que quer ser, o mais velho está certo de que "quem estuda mais também pode ganhar mais no futuro."
Essa também é a opinião do casal Le Pham. "Meu desejo é que meus filhos terminem a escola e depois estudem numa universidade", revela a mãe. "Isso é importante para a vida aqui na Alemanha." Para ela própria e o esposo, isso não é mais tão decisivo, pois eles pretendem voltar mais tarde para o Vietnã. Porém ela está certa de que o futuro de seus filhos está na Alemanha.