O Brasil na Primeira Guerra Mundial
1 de agosto de 2014"O BRASIL EM ESTADO DE GUERRA" Foi assim, em letras garrafais, que foi anunciada à população a entrada do país na Primeira Guerra Mundial por diversos diários brasileiros numa manhã de sexta-feira, nos idos de 1917.
O inimigo era nada menos que a Alemanha, que já lutava há três anos contra a chamada Tríplice Entente, e que, dias antes, havia afundado o navio mercante brasileiro Macau na costa espanhola, uma área afetada pelo bloqueio naval alemão.
O Brasil, por sua vez, contava com uma força armada precária, cuja máxima experiência internacional até então tinha sido a Guerra do Paraguai. E foi assim, com um Exército incipiente, uma frota naval defasada e uma força aérea inexistente, que desafiamos o Império Alemão.
O envolvimento do Brasil no conflito mundial de 1914-1918 é pouco conhecido, mas, sem dúvida, digno de um bom enredo. Trata-se de uma história repleta de capítulos curiosos, tais como uma onda de perseguição a cidadãos com sobrenomes alemães ou uma divisão naval praticamente dizimada pela gripe espanhola, e que culmina num desfecho quase épico: a chegada da missão brasileira à zona de combate justamente às vésperas do armistício.
"O suficiente para participar das comemorações do final da guerra", comenta o jornalista Marcelo Monteiro, que acaba de lançar o livro U-93: A Entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial, por ocasião do aniversário de cem anos do início do conflito. O título faz referência ao nome do submarino que afundou o Macau.
Para Marcelo, a participação do Brasil foi antes de tudo simbólica, já que o país não possuía uma força militar ou uma Marinha relevantes. "O Brasil não tinha estrutura nenhuma. Não tinha praticamente nada com o que pudesse contribuir diretamente no front. Era mais uma questão de apoio moral de um país das dimensões do Brasil", avalia.
Contudo, ele ressalta que foi justamente esse esforço brasileiro que posteriormente contribuiu para a inserção do país no cenário diplomático internacional. Um exemplo emblemático foi a participação do Brasil na Convenção de Paz de Paris, que resultou na criação da Liga das Nações, precursora da Organização das Nações Unidas (ONU).
Nas palavras de Marcelo, o ataque ao Macau foi, na verdade, a gota d'água. Há meses que o povo vinha pressionando o presidente Venceslau Brás a tomar uma atitude em relação aos sucessivos torpedeamentos de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães. A prática remontava a meados de fevereiro, quando a Alemanha declarara guerra submarina ilimitada a navios de qualquer bandeira que cruzassem as áreas em conflito, numa tentativa de impedir a chegada de suprimentos aos inimigos.
O Brasil, que exportava cereais e café principalmente para a França e a Inglaterra, nunca aceitou o bloqueio e seguiu enviando navios para a Europa. O fato de ter se declarado neutro desde o início do conflito, no entanto, não impediria o país de também virar alvo da estratégia alemã.
Embates navais
A primeira vítima foi o vapor Paraná, o maior navio em operação da marinha mercante brasileira na época, ao navegar nas proximidades de Barfleur, na França. Apesar de ostentar a bandeira nacional, a embarcação foi posta a pique na madrugada do dia 4 de abril pelo submarino alemão UB-32, cujo projétil acertou em cheio o letreiro do casco onde se lia a palavra Brasil. O episódio provocou uma grande comoção no país e a subsequente ruptura das relações diplomáticas com a Alemanha.
O clima ficou ainda mais tenso em maio, quando mais dois navios brasileiros, Tijucas e Lapa, foram atacados. Isso tudo fez com que o presidente decretasse o apresamento de 45 navios alemães que estavam atracados em portos brasileiros, como forma de indenização. Um deles era o Palatia, que posteriormente seria incorporado à frota brasileira sob um novo nome: Macau.
Por uma ironia do destino, foi justamente esse navio alemão "radicado" no Brasil que serviu de estopim para a entrada do Brasil no conflito. "Isso fez com que houvesse uma onda de nacionalismo, uma série de manifestações públicas, comícios, depredação de estabelecimentos de propriedades de alemães, principalmente no Sul e em São Paulo, levando o governo a romper a neutralidade e a declarar o estado de beligerância com a Alemanha e seus aliados", conta o coronel Luiz Carlos Carneiro de Paula, do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB).
A declaração de guerra foi sancionada no dia 26 de outubro pelo presidente Brás através do decreto número 3.361: "Fica reconhecido e proclamado o estado de guerra iniciado pelo Império Alemão contra o Brasil e autorizado o Presidente da República a [...] tomar todas as medidas de defesa, nacional e segurança pública que julgar necessárias". E foi assim que entramos na guerra.
A contribuição brasileira
Após a declaração do estado de guerra, uma das principais iniciativas do Brasil foi o envio para a Europa de uma Divisão Naval de Operações de Guerra (DNOG), formada por oito navios e destinada a operar com a marinha britânica. "Só que quase todos os navios já estavam muito velhos, sucateados", pondera Marcelo, lembrando que, na época, a frota brasileira ainda era composta por navios a carvão.
O uso desse combustível implicava uma série de dificuldades logísticas, como a necessidade de se providenciar navios carvoeiros só para abastecerem o restante da flotilha. "Na viagem que esses navios fizeram em 1918 para a Europa, eles tiveram que parar em vários portos na África e em algumas ilhas do Atlântico para consertar problemas mecânicos que surgiram."
Com a missão de patrulhar uma área marítima compreendida entre Dakar, no Senegal, e Gibraltar, na entrada do Mediterrâneo, a DNOG partiu de Fernando de Noronha no dia 1º de agosto de 1918 rumo a Dakar, onde só então começariam as grandes provações da missão brasileira.
Além de um breve embate com um submarino pouco antes de chegar ao porto africano, a esquadrilha foi surpreendida por um surto de gripe espanhola no mês de setembro, resultando na morte de 156 tripulantes. A divisão só retomaria a missão em direção a Gibraltar no início de novembro, só que desta vez desfalcada em quatro embarcações (duas avariadas e outras duas designadas para outras missões).
"A divisão naval, portanto, não teve uma participação de combate", afirma o coronel Carneiro. "Ela foi importante para que se fossem revistos alguns processos de mobilização, preparação, adestramento e também a questão sanitária das tripulações, de como manter a tropa com rigidez física em condições de combate."
Outra contribuição do Brasil foi o envio de uma equipe de saúde com cerca de cem médicos e dezenas de enfermeiras e auxiliares para a França, onde foi montado um hospital para atender não só os combatentes, mas também as populações atingidas pela guerra em diversas áreas no entorno de Paris. Ao contrário da DNOG, o hospital teve uma função tão importante que continuou em operação mesmo depois da guerra.
Fora isso, o Brasil também enviou 13 aviadores para a Inglaterra e mais um grupo de 24 oficiais para atuarem ao lado do Exército francês em missões de observação e treinamento – o que implicaria profundas mudanças nas Forças Armadas brasileiras.
O abandono do modelo prussiano
O envio de militares à França foi responsável por mudar completamente a orientação profissional do Exército brasileiro, até então baseada nos moldes da doutrina prussiana, em direção a uma tradição francesa. "Por doutrina entende-se a adoção de um pensamento de atuação militar de acordo com as possibilidades que o equipamento utilizado e o treinamento da tropa permitem", explica o coronel Carneiro. Ele chama a atenção para o caso dos chamados "jovens turcos", um grupo de militares brasileiros que se instruiu no Exército alemão entre 1910 e 1912, e que, em seu regresso, dedicou-se à profissionalização militar nacional apoiada no treinamento germânico.
Além de ser determinante na compra de novos armamentos, que passariam a vir da Alemanha, a experiência dos jovens turcos acabou por influenciar todo o comportamento do Exército brasileiro, desde os procedimentos militares até os uniformes utilizados. Em 1913, por exemplo, eles fundaram a revista Defesa Nacional, uma publicação de cunho conservador e discurso altamente patriótico. Uma mostra do seu ideário pode ser lida no primeiro editorial do periódico:
"[...] Um exército bem organizado é uma das criações mais perfeitas do espírito humano, porque nele se exige e se obtém o abandono dos mesquinhos interesses individuais, em nome dos grandes interesses coletivos; nele se exige e se obtém que a entidade do homem, de ordinário tão pessoal e tão egoísta, se transfigure na abstração do dever; nele se exige e se obtém o sacrifício do primeiro e do maior de todos os bens, que é a vida, em nome do princípio superior de pátria."
Diante da declaração de guerra à Alemanha, foi necessária então uma mudança estrutural no Exército, com o intuito de afastá-lo do modelo alemão. A solução foi a contratação da Missão Francesa. "Quando se compra um material, principalmente armamento, é necessário fazer um treinamento diferente: tem que se organizar a tropa de maneira adequada a esse armamento. O resultado disso é que, quando se mexe no treinamento, muda toda a maneira de se atuar num conflito armado. É como se a gente trocasse de diretor numa peça de teatro. Quando você muda o diretor, muda o vestuário, muda a posição dos atores no palco, acelera mais uma música", resume o coronel.
A participação do Brasil na Primeira Guerra foi, portanto, fundamental para a adoção da Missão Francesa, pois contou com o envio de uma legião à França com o fim de absorver conhecimentos e adquirir o material necessário à sua implementação no Brasil. Liderados pelo general Napoleão Felipe Aché, o grupo de oficiais integrou unidades de combate do Exército francês por cerca de três meses, de setembro a novembro de 1918.
O fim da guerra
No final do conflito, o Brasil teve um saldo de quase 200 mortos, além de um total de nove navios afundados por submarinos alemães. Por outro lado, o fato de ter participado oficialmente da Primeira Guerra Mundial fez com que o país fosse uma das 32 nações convidadas a participar da célebre Conferência de Paz de Paris, em 1919, que culminou na assinatura do Tratado de Versalhes.
Entre os acordos estabelecidos, o Brasil pôde também incorporar à frota nacional aqueles navios alemães que haviam sido confiscados pelo governo de Venceslau Brás. Alguns deles, inclusive, viriam a ser afundados na Segunda Guerra Mundial, como o vapor Cabedelo.
O envolvimento do Brasil no segundo grande conflito mundial, aliás, traz uma série de semelhanças com a guerra anterior, com direito a bloqueios navais e torpedeamentos de navios brasileiros por submarinos alemães – uma prova de que os eventos históricos realmente se repetem. Mas isso já é uma outra história.