O Brasil na imprensa alemã (29/09)
29 de setembro de 2021Frankfurter Allgemeine Zeitung – Brasil tem um problema de imagem (27/09)
O presidente Bolsonaro torna o país menos atraente para firmas estrangeiras. Ainda assim, a metrópole industrial São Paulo permanece sendo a mais importante locação no exterior para a Alemanha.
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As primeiras empresas alemãs vieram para o Brasil há mais de 100 anos. Em meio à Primeira Guerra Mundial, criaram-se as primeiras câmaras de comércio exterior da América Latina, também em São Paulo. Mais tarde, fabricantes de automóveis e de produtos químicos se estabeleceram na cidade. O mais tardar com o "milagre econômico brasileiro", nos anos 1970, a metrópole desenvolveu uma força de atração que trouxe ainda mais médias empresas da Alemanha para a região.
Como na época o Brasil era muito isolado, diversas companhias fundaram uma produção local, o que as ancorou ainda mais à economia brasileira. Também graças aos investimentos alemães, São Paulo se desenvolveu como sítio industrial completo, dotado de uma massa crítica. Todos se acostumaram às crises. E também ao fato de que elas passam depressa.
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E no entanto a imagem abalada do Brasil se tornou uma preocupação, justamente para as empresas alemãs sediadas lá. Antes apreciado, o Brasil sob o governo do presidente Jair Bolsonaro adquiriu imagem de vilão. A destruição da floresta tropical avança cada vez mais rápido, a pandemia foi negada por longo tempo. E agora Bolsonaro partiu da reserva política para ofensiva contra as instituições nacionais.
Muitos empresários preferem se calar, quando se trata do presidente. [Klaus] Hepp [diretor-gerente da firma Vulkan] é um que não tem papas na língua sobre o assunto: é do próprio Brasil, e não da mídia, a culpa pelo modo como é visto no exterior, diz. E Bolsonaro tudo faz para que a coisa ainda piore.
"Também na economia é preciso gente inteligente dar o bom exemplo, abrir a boca e fazer os idiotas pararem", opina Hepp. Uma grande irracionalidade faz parte do Brasil e da América Latina, ela vai voltar a se acalmar. O Brasil não pode ser reduzido a dois anos, "aqui a coisa vai seguir em frente".
No curto prazo, pouco mudará em relação à imagem, crê Thomas Timm, da Câmara de Comércio e Indústria Exterior da Alemanha (AHK). Ele vê também uma chance na atual situação: o mal poderá vir para o bem. "Justamente em se tratando de sustentabilidade, o Brasil tem tudo para assumir um papel de liderança."
O país seria, por exemplo, uma locação excelente para energias renováveis e o desenvolvimento do assim chamado "hidrogênio verde". Para as companhias alemãs de tecnologia, abre-se no Brasil um campo vasto no setor da energia sustentável, com potencial de futuro. Segundo Timm, a AHK de São Paulo e do Rio de Janeiro – mas também outras instituições, como a Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) – trabalham para transformar o Brasil num parceiro estratégico para a realização das metas climáticas.
Nesse contexto, Timm descreve também como "um farol" o Centro Alemão de Ciência e Inovação (DWIH) São Paulo, uma de cinco instituições do gênero no mundo conectando faculdades e empresas que desenvolvem pesquisas, promovendo o intercâmbio científico e projetos de inovação nos diferentes países. Há gente competente no Brasil, também no Estado, afirma Timm, "nem tudo é política".
Der Spiegel – Bomba com certificado TÜV (25/09)
No começo de 2019, uma avalanche de lama matou quase 300 cidadãos. Agora começa em Munique o processo contra a certificadora alemã TÜV Süd, que pouco antes atestara que a barragem era suficientemente segura – por ganância?
Numa parede da sala de estar da família brasileira Barroso Câmara está pendurado um grande pôster branco-e-preto. Izabela, a jovem que lá se vê, enche o aposento com seu sorriso. "A foto que serviu de base a esse pôster estava por toda parte, depois do acidente", comenta Gustavo Barros, sentado num sofá de couro na sala de seus pais. As cortinas estão fechadas, um aparelho de ar refrigerado zumbe. Aí ele se corrige: "Depois do acidente, não. Depois do crime."
Em alguns dias, Barroso de 36 anos, vai colocar na mala seu melhor terno e voar de Governador Valadares até a Alemanha, onde o Tribunal Estadual de Munique se ocupará a partir de 28 de setembro da morte de sua irmã Izabela. A família exige indenização da TÜV Süd, pois a empresa alemã é corresponsável por a barragem de uma mina de ferro ter se rompido em janeiro de 2019 próximo à cidade de Brumadinho.
Na época, 11,7 milhões de metros cúbicos de lama tóxica se precipitaram pelo vale. A avalanche arrastou pelo menos 272 pessoas para a morte, enterrou casas, árvores, ruas, animais. Izabela, conta Barroso, foi surpreendida na cantina da mina, logo abaixo da barragem: ela falava ao telefone com o marido durante o almoço, quando a ligação foi cortada para sempre.
Foi a catástrofe ambiental mais fatal da história do Brasil. Embora a operadora da mina, a Vale, tenha invocado "força maior", Barroso acredita que os riscos eram conhecidos há muito. Meses antes do colapso, engenheiros da TÜV Süd certificaram a barragem como segura, mesmo tendo sérias dúvidas quanto a sua estabilidade.
Desde então, uma acusação paira no ar: os inspetores se deixaram comprar por uma das maiores companhias de mineração do mundo? Fizeram vista grossa para obter contratos lucrativos?
Essa é a suspeita que também Barroso acalenta. Diante do tribunal em Munique ele espera finalmente ser escutado, tem esperança de receber respostas que até agora o Judiciário brasileiro lhe tem negado, esperança de justiça, de algo que possa ajudá-lo a se conciliar com o fato.
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Gustavo Barroso está convencido da culpa de ambas as firmas: elas puderam agir assim por nada terem a temer da Justiça brasileira, diz. Mas também na Alemanha poderá passar muito tempo até um veredito.
Até agora, Barroso só está no processo em Munique como convidado, ele espera em breve ser também convocado como testemunha. Seu advogado crê que "como a TÜV se defende com tudo que se pode usar e investe recursos quase ilimitados na própria defesa, também na Alemanha esse processo vai levar um bom tempo".
Neues Deutschland – Desflorestamento aquece o clima (24/09)
Desmatamento e queimadas transformaram as florestas amazônicas de captadoras de dióxido de carbono em produtoras de CO2.
Não foi por falta de avisos: há décadas, pesquisadores brasileiros e internacionais apelam para que se suspenda o derrubamento das matas da Amazônia. A maior região de florestas tropicais do planeta, tão importante para o clima global, poderá perder sua função como armazenadora de CO2 e freio do aquecimento global.
Contudo, especialmente os sucessivos governos do Brasil – país responsável pela maior parte da Amazônia – se limitaram a promessas vãs e, apesar de duas conferências do meio ambiente no Rio de Janeiro, em 1992 e 2012, ignoraram o apelo de ecologistas e climatólogos. Agora, o pior temor deles parece ter se concretizado, a Amazônia chegou a um ponto de guinada: o aparentemente infinito reservatório de dióxido de carbono, que absorve as emissões dos países industriais, compensando o efeito estufa, é hoje um emissor de fato de dióxido de carbono.
Até agora, a ciência partia do princípio que a Amazônia absorvesse anualmente vários milhões de toneladas de CO2 da atmosfera, armazenando-a em forma de carbono em sua massa vegetal crescente. Ao que tudo indica, há pelo menos dez anos esse não é mais o caso. Pelo contrário: queimadas e derrubadas de árvores em massa transformaram a maior mata tropical numa produtora de gases-estufa, como demonstrou pela primeira vez uma análise publicada pela revista especializada Nature.
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Para [a principal autora do estudo, Luciana] Gatti, está acima de qualquer dúvida: a Amazônia é hoje uma fonte de CO2. Mas é possível reverter esse estado, explica a pesquisadora, só que seria necessária uma moratória de, no mínimo, cinco anos para abates e queimadas em toda a região amazônica, sobretudo na área sudoeste, que além disso precisaria ser reflorestada: "Num cenário assim, acredito numa possibilidade de retrocesso."
Entretanto os sinais do governo Jair Bolsonaro indicam exatamente o contrário: não estão à vista nem uma proibição do desmatamento, nem o fim dos incêndios. Segundo Antonio Donato Nobre, que há mais de 30 anos pesquisa na e sobre a Amazônia, conhecendo as consequências ecológicas como poucos outros cientistas, uma política de zero desmatamento no Brasil já era uma necessidade desde o fim dos anos 1990.
Embora atualmente a suspensão das derrubadas seja inevitável, ela não bastará para reverter a ameaçadora tendência climática, alertava Nobre já em 2017: "Além disso, até onde for possível, precisamos restaurar tudo o que foi modificado e destruído." E isso implica um recuo da utilização da terra em vastas áreas da Amazônia.
av (ots)