O Brasil na imprensa alemã (26/08)
26 de agosto de 2020Der Tagesspiegel – Dúvidas sobre o acordo UE-Mercosul (26/08)
A implementação do acordo comercial da União Europeia com os países do Mercosul está cada vez mais incerta. O presidente da Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu, Bernd Lange, endossa a chanceler federal alemã, Angela Merkel, que se distanciou do acordo no fim da semana passada.
Lange disse ao Tagesspiegel: "É importante estabelecer o diálogo com os Estados do Mercosul, mas no momento é importante deixar o acordo na geladeira." O pacto entre a UE, de um lado, e Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, do outro, decerto contém bons trechos sobre a implementação do Acordo de Paris para proteção do clima, uma economia florestal sustentável e a proteção dos direitos dos assalariados, diz. "Mas já é previsível que, por exemplo, o Brasil, não vá se ater às determinações." Segundo Lange, "seria absurdo se envolver num acordo em que está claro, desde já, que um parceiro não vai obedecê-lo".
O porta-voz do governo alemão, Steffen Seibert, explicou que, diante do avanço do desmatamento das florestas tropicais no Brasil, Merkel tem "dúvidas consideráveis". Nesse contexto, colocam-se objeções sérias sobre "se estaria garantida uma implementação do acordo dentro do espírito pretendido". [...]
Protestos contra as ressalvas crescentes da política partem do empresariado. O presidente da Associação Alemã de Fabricantes de Máquinas e Instalações (VDMA), Thilo Brodtmann, comentou: "O acordo com o Mercosul tem que vir", pois só com ele a UE conseguirá exercer pressão política sobre o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, quanto ao tema desmatamento da mata tropical.
"É melhor permanecer em diálogo com o país do que deixá-lo por conta própria, ou atirá-lo nos braços da China." Também as empresas europeias darão sua contribuição: "Elas vão combinar com os fornecedores brasileiros que os produtos não provenham de áreas recém-derrubadas da floresta tropical", prometeu Lange.
Süddeutsche Zeitung – Presidente do Brasil: súbito, beneficiário do coronavírus (24/08)
A própria doença foi talvez seu maior sucesso de propaganda. Em meados de junho, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, comunicou que se contagiara com o coronavírus – o que não surpreendeu tanto assim, diante de seu comportamento ofensivo em público.
Após duas semanas de relativa reclusão, anunciou que o último teste fora negativo: ele vencera a doença. E isso, apesar de seu pulmão supostamente apresentar sequelas de um ataque a facadas durante a campanha eleitoral, em 2018. Desde o anúncio, Bolsonaro pode se apresentar como prova viva de que a covid-19 nada é, além de uma gripezinha, como sempre afirmou.
Os índices de Bolsonaro nas pesquisas de opinião estão nas alturas; recentemente a Datafolha anunciou uma aprovação de cerca de 40%, a maior desde a posse. [...]
Com mais de 3,5 milhões de contagiados, o Brasil é o país mais afetado pelo coronavírus, depois dos Estados Unidos. No entanto, Bolsonaro frisa com prazer o fato de que, em relação ao total da população, ele ocupa o 11º lugar no ranking mundial de óbitos, ou seja, atrás de países como Espanha, Itália, Bélgica, Suécia – e, acima de tudo, atrás do vizinho Peru, em que restrições drásticas dominam a vida, cujo número R (que indica quantos indivíduos um paciente contamina), porém, é mais alto do que o do Brasil. Os peruanos pobres não conseguem mais garantir a própria subsistência, a subnutrição se alastra, para eles não há trabalho remoto.
Diante desse quadro, os brasileiros das camadas mais baixas estão simplesmente gratos a seu presidente por não ter desacelerado inteiramente a economia. A queda do PIB é menos dramática do que na Argentina ou Peru. Por outro lado, especialistas alertam que as capacidades de testes do Brasil são pequenas, sobretudo nos assentamentos indígenas, onde a taxa de mortalidade é 2,5 vezes superior à da população em geral.
Apesar disso, recentemente Bolsonaro votou contra adotar medidas de proteção especiais para os indígenas. Isso corresponde a sua postura básica de que cada um tem que dar conta da própria vida, ele rejeita intervenções estatais, o que continua tornando-o o queridinho dos grandes empresários.
Die Welt – O sinistro retorno de Jair Bolsonaro (21/08)
Atualmente a imagem do Brasil no exterior é desoladora. O país é visto como hotspot do coronavírus, o desmatamento tropical desperta críticas internacionais. No entanto, cresce a aprovação do presidente.
Sob o presidente populista de direita Jair Bolsonaro, o caos político toma conta do Brasil. O país é um epicentro da pandemia de covid-19, e além disso dizima a passo rápido a Floresta Amazônica. Essa é a imagem que a opinião pública tem, no momento, do maior país latino-americano. No entanto as sondagens mais recentes mostram Bolsonaro em plena tendência ascendente, tornando mais provável sua reeleição em 2022.
Como as duas coisas se encaixam? Entre a imagem internacional e a aprovação local há óbvias diferenças. Um dos motivos: os desastres sobre que se noticia desde que Bolsonaro tomou posse facilitam ao populista de direita se apresentar como vítima: como guerreiro que se opõe, solitário, e, portanto, ainda mais determinado, a um conglomerado de poderes sombrios formado por malquistos meios de comunicação, ativistas estrangeiros e a propaganda de esquerda. Pois, apesar de todos os escândalos produzidos por sua família e seu governo desde a posse, em janeiro de 2019, cresce o apoio a sua política.
Isso fica óbvio na atual crise do coronavírus. Aqui, a oposição critica Bolsonaro severamente: "O governo negou, enquanto foi possível, a gravidade da pandemia, e não adotou nenhuma política que atacasse o problema consequentemente", diz a deputada do PSOL Taliria Petrone, em conversa com o Welt.
TAZ – Na onda do coronavírus (20/08)
O presidente nunca foi tão popular, desde sua posse. E isso, apesar de o Brasil se encontrar em profunda crise econômica.
Com mais de 110 mil mortos e 3 milhões de contaminados, o Brasil afunda no caos do coronavírus. O responsável por isso é, acima de tudo, o presidente Jair Bolsonaro. Ele chama o vírus de "uma gripezinha", zomba dos enfermos e esbraveja contra as medidas de isolamento impostas pelos governos estaduais. Ele se mistura às massas sem máscara, aperta mãos e, despreocupado, come cachorro-quente na rua. Com suas estratégias de minimização e provocações na crise, ele supera até mesmo o seu grande ídolo, Donald Trump.
Após cada aparição pública, ouve-se o clamor: ele ficou maluco! Agora foi mesmo longe demais! Desta vez ele cavou a própria cova! Bolsonaro é considerado burro ou simplesmente incapaz para o cargo. Decerto não há como negar uma boa dose de incompetência política e megalomania. Entretanto, esse é um discurso que cai no vazio. Pois Bolsonaro segue um cálculo implacável e, em especial em tempos de pandemia, é assustadoramente bem-sucedido.
A estratégia do presidente brasileiro é óbvia demais. Ele não dispensa nenhuma oportunidade de bradar contra medidas estatais, como o isolamento, condenar as máscaras como ingerência na liberdade pessoal, e exigir a plenos pulmões a reabertura de lojas e fábricas. Seu mantra: a economia não pode parar!
A súbita descoberta do liberalismo por Bolsonaro talvez espante à primeira vista. Seria de esperar que, assim como outros chefes de Estado autoritários, ele aproveitaria a crise para ampliar o próprio poder através de medidas de isolamento rígidas. O que, contudo, costuma escapar nos debates sobre o direitista linha-dura é que sua política se baseia numa visão ultraliberal da economia.
Já na campanha eleitoral, Bolsonaro desfrutava da cobertura de amplas parcelas do empresariado, entre as quais muitos alemães radicados no Brasil, e do capital financeiro. Também junto ao poderoso setor agrário, o ex-militar encontra grande popularidade. Com todas essas potências, Bolsonaro não quer se indispor, na crise. [...]
Devido a seu curso na pandemia, Bolsonaro deveria ter perdido apoio. Ele está cada vez mais isolado politicamente, muitos de seus antigos aliados lhe deram as costas, firmas internacionais o pressionam. E apesar de tudo, com suas provocações constantes, Bolsonaro dá um jeito de habilmente se colocar no centro das atenções, consegue continuar dividindo a sociedade e manter seus adeptos de prontidão. [...]
Para chefes de Estado como Bolsonaro, crises são uma bênção.
______________
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Facebook Messenger | Twitter
| YouTube | App | Instagram | Newsletter