Nova celeuma sobre papel do Vaticano no nazismo
10 de outubro de 2002A venda do livro polêmico do norte-americano Goldhagen está proibida, provisoriamente, na Alemanha, por determinação do Tribunal Regional de Munique. O motivo da censura foi um recurso impetrado pelo arcebispado da capital da Baviera. Nos 30 mil exemplares da primeira edição de "A Igreja Católica e o Holcausto" encontra-se uma foto em que aparece uma pessoa, no tempo do nazismo, descrita na legenda como sendo o cardeal de Munique, Michael Faulhaber, numa cerimônia da SA. O arcebispado muniquense alegou que se trata, inequivocamente, de outra pessoa.
Uma segunda edição do livro já deverá estar pronta na próxima semana, mas com uma outra fotolegenda, conforme anunciou a editora Wolf Jobst Siedlerm, de Berlim. Uma porta-voz da editora esclareceu que a legenda da primeira edição foi baseada em informações do Museu do Memorial United States Holocausto, que também colocou a foto à disposição.
Falsificação da História?
O historiador e juiz da Congregação da Fé, Peter Gumpel, acusou o autor de "A Igreja Católica e o Holocausto" de falsificar a história. Goldhagen não teria usado material de fontes, recorrendo principalmente a "literatura secundária, cujos autores são conhecidos por suas posições anticatólicas", disse o representante do Vaticano. Uma das "falsificações históricas" de Goldhagen, segundo Gumpel, seria a afirmativa de que o papa Pio XII teria desejado uma vitória de Hitler, a fim de evitar que os comunistas estivessem entre os vencedores da Segunda Guerra Mundial. Além disso, Sua Santidade não teria tomado conhecimento da perseguição da Igreja católica na Polônia e outros países ocupados pelos nazistas.
Sobre uma abertura dos arquivos do Vaticano para revidar os críticos do papel da Igreja católica no nazismo, Gumpel disse que isso teria sentido se o material fosse primeiramente selecionado. Do contrário, não se poderia estudá-lo de maneira sensata. Ele anunciou que os historiadores terão acesso, em janeiro de 2003, ao material sobre a política de Pio XI para a Alemanha. Só três anos depois será liberado material sobre o pontificado de Pio XII.
Quanto judeus a Igreja salvou do Holocausto?
A celeuma que Goldhagen gerou agora com "A Igreja Católica e o Holocausto" assemelha-se à discussão internacional que causara com a divulgação da sua tese de doutorado em forma de livro "Os Verdugos Voluntários de Hitler, os Alemães atuais e o Holocausto". Nesta obra, o autor norte-americano defendeu a tese da culpa coletiva dos alemães pelo extermínio de seis milhões de judeus na Europa. Ele escreveu que a motivação do genocídio foi "o anti-semitismo eliminatório da cultura alemã, incubado durante muito tempo, onipresente, virulento e racista".
No calor do debate atual sobre a nova obra de Goldhagen, o presidente da Confederação Nacional dos Bispos Alemães, Karl Lehmann, disse que até 80% dos 900 mil judeus que escaparam do Holocausto na Europa foram salvos por instituições católicas. O número citado pelo cardeal alemão foi considerado "muito exagerado" pelo Memorial das Vítimas do Holocausto Yad Vahem, em Jerusalém. "Não existe prova de um papel ativo de instituições católicas nessas proporções", disse o diretor do Instituto de Pesquisas do Museu, David Bankier.
Na Holanda, por exemplo, só 18 mil judeus sobreviveram e na Polônia teriam sido 50 mil, segundo Bankier. Ele confirmou que sacerdotes emitiram milhares de atestados de batismo de judeus na Polônia. Mas destacou que não saberia dizer se tais documentos salvaram judeus das câmaras de gás dos nazistas. Bankier considerou também exagerados os números de conventos e outras instituições católicas que esconderam judeus dos nazistas. Questionou igualmente que 4.447 judeus tenham sido salvos em Roma, escondidos em conventos e outras instituições católicas.
Número inventado?
O cientista e ex-diplomata israelense Reuven Minervi qualificou o número de judeus salvos no nazismo pela Igreja católica, mencionado pelo cardeal alemão, como "inventado, exagerado e especulação nada séria". Minervi é um excelente conhecedor judeu do cristianismo, tendo ele próprio se escondido em um mosteiro romano durante a Segunda Guerra Mundial. Para Minervi, o cardeal Lehmann tirou o número 900 mil do livro do pesquisador judeu Pinchas Palide, que também não pode apresentar provas.
Minervi acusou o Vaticano de ter silenciado sobre o extermínio dos judeus na Europa. Fato é, segundo ele, que o bispo de Münster, na Alemanha, Clemens August von Galen pôde, com um apelo público, parar a eutanásia, sem prejudicar a Igreja. As iniciativas de sacerdotes e cristãos para salvar judeus foram isoladas, destacou o cientista israelense, "pois não houve uma única recomendação do Vaticano". O papa Pio XII também silenciou sobre a deportação de mil judeus de Roma, em 16 de outubro de 1943. Só 12 deles sobreviveram.