Música brasileira para o mundo
30 de outubro de 2004“Houve uma fase em que se ouvia na Alemanha muita música indiana, banghra, outra em que se ouvia muita coisa da África. Com a música brasileira é diferente, ela sempre esteve aí e está agora mais presente que nunca”, comenta durante a Womex Grace Kelly, DJ brasileira radicada há oito anos em Berlim e apresentadora do programa Selektor Brasil Beats, veiculado pela emissora Multikulti na capital alemã.
A Womex é uma feira anual que reúne selos, gravadoras, músicos, produtores e agentes culturais dos quatro cantos do planeta, acontecendo alternadamente um ano na Alemanha e outro no exterior. Em sua versão de 2004, sediada nas instalações de uma antiga mina de carvão em Essen, na região do Vale do Ruhr, bandas brasileiras estão presentes por todos os lados. Tanto através de representantes vindos diretamente do Brasil, como nos estandes de uma série infindável de distribuidores e agentes europeus.
Papel central
O lugar da música brasileira no cenário da world music parece se tornar cada vez mais nítido. “Dos 35 shows programados para a Womex, há seis inoficialmente reservados para todas as Américas, do Alasca à Patagônia. Desses seis, três são brasileiros na feira deste ano. Hoje, quase todos os festivais internacionais têm música brasileira”, observa Michel Nicolau, da BM&A, agência de divulgação da cultura brasileira no exterior.
Além dos brasileiros incluídos nos shows oficiais da Womex – BNegão & os Seletores de Freqüência, Renata Rosa, Seu Jorge e a colaboração belgo-pernambucana Chuva em Pó, do projeto Think of One, há ainda a paulista Badi Assad, dentro da OffWomex. Em concerto paralelo, a saxofonista mineira Maria Bragança se apresenta ao lado de músicos alemães divulgando seu último CD, Trova Brasileira.
Nos três pavilhões da Womex destinados ao comércio e ao intercâmbio da world music, vários estandes veiculam a produção brasileira. Embora o leque inclua também o pop voltado ao mainstream, a cena alternativa e músicos ainda pouco conhecidos mesmo em solo brasileiro encontram espaço entre o público especializado. Nomes de brasileiros saltam praticamente por todos os lados aos olhos, veiculados por distribuidores e agentes alemães, ingleses, franceses, belgas, holandeses, espanhóis e, last but not least, pelos próprios produtores culturais do país.
Gerando negócios indiretos
“Estar aqui já faz com que se volte os olhos para o Brasil. A importância de estar presente numa feira como esta não se resume ao que se concretiza aqui, mas se estende aos negócios indiretos gerados posteriormente. A música brasileira vem passando por um processo de estruturação internacional, para que possa se manter de forma competitiva no mercado. Isso é também uma maneira de trazer divisas para o país”, observa Nicolau, que veio este ano a Essen com uma equipe de vinte profissionais brasileiros. “Um número assustador, se comparado com os dois ou três presentes em eventos como este há alguns anos”, diz.
Registrar a produção brasileira em eventos internacionais é também o objetivo da Barravento Artes, que representa na Womex nomes tão diversos como Arnaldo Antunes, DJ Patife, Marcelinho da Lua, Hermeto Pascoal, Mônica Salmaso e a Banda de Pífanos de Caruaru, entre muitos, muitos outros. Ou de Eduardo Muszkat, presidente da MCD/Lua Discos, que divulga e distribui um catálogo com mais de 200 títulos, priorizando o que o CD de promoção intitula another Brazil, ou seja, um Brasil para além dos limites do mainstream.
Capítulo pernambucano
Um capítulo à parte dentro da Womex é definitivamente escrito pelo som pernambucano. Com estandes dedicados exclusivamente à cena musical do Recife e região, a efervescência local composta pelos herdeiros do mangue beat e pela intersecção entre a tradição local e os bits eletrônicos atrai a atenção do circuito internacional.
Tanto que o diretor da Womex, Christoph Borkowsky Akbar, em visita ao Recife, conheceu pessoalmente o projeto Porto Digital, uma iniciativa conjunta do governo de Pernambuco e de empresas de software que deu origem a um enorme parque tecnológico no centro histórico da cidade. Um projeto que, segundo seu diretor, Pier Carlo Sola, visa “a inclusão social através da tecnologia e da cultura. Oferecendo, por exemplo, uma biblioteca e oficinas de leitura e artes para uma pequena favela existente na região, que possui cerca de mil moradores”.
Porto Musical
A partir da visita de Borkowsky ao Recife surgiu uma parceria entre a Porto Digital, a produtora Astronave e a Womex, que será concretizada em fins de janeiro próximo, com o evento que leva o nome de Porto Musical. “Uma convergência da cadeia produtiva da música com a tecnologia. A idéia é levar produtores internacionais para conhecer o Brasil. O Porto Musical deverá incluir shows, discussões sobre a cadeia de valores da produção musical, debates sobre novas formas de distribuição, a morte do CD e o impacto da tecnologia digital no trabalho dos músicos”, conta Sola. O site do evento, atualizado regularmente, deverá servir posteriormente também como banco de dados. A intenção é fazer do Porto Musical um must no circuito dos especialistas em world music. Uma idéia que certamente tem tudo para dar certo.