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Museus alemães celebram 40 anos da videoarte

Soraia Vilela24 de abril de 2006

Dos primeiros passos de Nam June Paik à produção contemporânea: museus de cinco cidades alemãs reconstituem a trajetória da videoarte no país.

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Video 50, de Robert Wilson (1978)Foto: Robert Wilson Archive

A idéia não é, segundo os curadores, traçar um panorama dos artistas nascidos na Alemanha, que se ocuparam ou ainda se ocupam do que se convencionou chamar videoarte. Trata-se, antes de mais nada, de reconstruir os caminhos estéticos e as tentativas de reflexão que moldaram esta vertente da história da arte dos anos 60 até hoje.

A escolha de uma “data de nascimento" para a videoarte, esclarecem os curadores, é fruto de reflexões anteriores, a partir das quais passou-se a acreditar que o gênero surgiu no início dos anos 60, com as intervenções do coreano Nam June Paik na Alemanha.

Visualizando o ruído

Nam June Paik gestorben
Nam June PaikFoto: AP

Os experimentos de Paik na Galeria Parnass, em Wuppertal, criaram, em 1963, o terreno para as primeiras manipulações envolvendo aparelhos de TV. Nestes "primeiros passos”, o artista visualizava o ruído, em analogia ao que se ouvia nas inovações sonoras de Karlheiz Stockhausen, no estúdio da emissora WDR, em Colônia.

Estava instaurada a descoberta estética do stand by e a celebração do erro. Interferências propositais na imagem, que davam à obra a aura de arte. Anos mais tarde, a partir de 1968, disseminava-se a presença da videoarte em diversas insitutições dentro e fora da Alemanha.

Vingança contra a TV

Os primeiros trabalhos refletiam, em primeiro plano, a própria tecnologia, buscando, de forma lúdica, revelar o meio em ascensão. Anos mais tarde, alguns artistas passaram a ver na videoarte uma forma de "vingança" contra a má qualidade do que se via na TV. Nas palavras do próprio Paik, em 1982: “Se a televisão nos aterroriza há anos, então agora chegou a hora de darmos o troco”.

Enquanto alguns trabalhos remetiam explicitamente à história da arte (leia-se aqui pintura), representantes de outras vertentes buscavam na videoarte uma alternativa de narração para o cinema como documento. Para outros, o trabalho com vídeo servia apenas como uma ferramenta a mais na constituição da performance ou de um work in progress.

Beckett, Beuys, Wilson

Robert Wilson, Video 50
Video 50, de Robert WilsonFoto: Robert Wilson Archive

A mostra 40anosvideoarte.de Herança digital (40jahrevideokunst.de Digitales Erbe) nos museus alemães é dividida em cinco pilares: Primórdios nos anos 60 (Kunsthalle Bremen), anos 60 até início dos 70 (ZKM Karlsruhe), videoarte na antiga Alemanha Oriental (Museu de Artes Plásticas de Leipzig), anos 80 (K21, Düsseldorf) e produção atual (Lenbachhaus, Munique). Nos 59 trabalhos expostos nos cinco museus, desparecem com freqüência as fronteiras entre instalação, performance ou escultura em vídeo.

A diversidade estética e temática dos trabalhos passa por He Joe, de Samuel Beckett (1965/66), peça escrita e dirigida pelo escritor e transmitida pela TV alemã por ocasião de seus 60 anos. Presentes estão também Filz TV (TV Feltro), de Joseph Beuys (1970), em que o artista "luta boxe" com uma tela de televisão cuidadosamente coberta pelo material e Video 50, de Roberto Wilson, uma sucessão enigmática de imagens que remetem à história da arte e do cinema e que foram transmitidas pela TV alemã em 1978.

Anos 80: reflexões de Flusser

Vilém Flusser
Vilém Flusser (1920-1991)Foto: dpa

Na mostra dedicada aos anos 80 (K21, em Düsseldorf) – que provoca uma espécie de dejà vú estético em qualquer visitante que tenha lembranças dos 80 – há uma seção especial que destaca a relação da videoarte com a televisão. Expostos numa vitrine estão cartazes de festivais de vídeo e simpósios sobre a videoarte realizados na década de 80, como o Encontro de Debates sobre Estética de Mídia e Arte, em 1988, com a presença do teórico Vilém Flusser, que viria a falecer dois anos mais tarde.

Considerações sobre a herança digital

Abramović/Ulay, City of Angels, 1982
Cidade dos Anjos, de Abramović/Ulay (1982)Foto: VG Bild-Kunst Bonn, 2006

A idéia das cinco mostras é chamar a atenção para o fato de que a videoarte hoje não é apenas valorizada do ponto de vista econômico, no mercado de arte, mas deve ser vista como uma herança cultural significativa. Fica claro que colecionadores, curadores, restauradores e arquivistas começam gradualmente a levar a sério o valor da imagem eletrônica e da herança digital. Mesmo lembrando que esta “herança digital” é formada, em primeiro plano, a partir da digitalização de obras de arte analógicas, conservadas até hoje em museu.

Há de se notar que uma das questões centrais enfrentadas por acervos e museus, que abrigam trabalhos de videoarte, diz respeito não somente à possível “perda de material arquivado” (devido às condições de armazenamento ou mesmo à desintegração gradual da fita magnética), mas também à forma com que as próximas obras serão registradas. Pois muitos dos formatos analógicos ou digitais das últimas décadas simplesmente caíram em desuso.

Relação entre tempo e espaço

Outro paradoxo com que se deparam os curadores, ao tentarem reescrever a história da videoarte, é a relação entre tempo e espaço. "Dispomos, em nossa cultura, de dois modelos diversos, que nos permitem tentar controlar o tempo: a imobilização da imagem no museu e a imobilização do espectador na sala de cinema. Os dois modelos, porém, falham quando as imagens em movimento são deslocadas para o espaço do museu”, observa o teórico alemão Boris Groys, em texto publicado no catálogo da exposição.

O visitante se "perde" entre duas posturas distintas: assistir parado, como na sala de cinema, aos vídeos apresentados, ou continuar se deslocando, como se estivesse frente a obras de arte convencionais, expostas naquele espaço. Este visitante, lembra Groys,´"é, dentro de pouco tempo, obrigado a reconhecer que não há, neste caso, nenhuma solução adequada ou satisfatória”. No entanto, é exatamente através desta “insegurança fundamental” e da ausência de controle sobre o tempo que a videoarte, exposta no museu, consegue questionar os conceitos tradicionais de tempo, espaço, contemplação ou velocidade.

Internet: espaço transgeográfico

Walter Benjamin Zeitgenössische Aufnahme des deutschen Literatur- und Kulturkritikers und Essayisten Walter Benjamin
Walter BenjaminFoto: dpa

Em suma, a exposição e a Edição de Estudos (composta por 12 DVDs, com mais de 26 horas de material) das quatro décadas de videoarte, em suas mais diversas formas e formatos, deixa em aberto o que Boris Groys resume em seu texto Da imagem ao arquivo – e de volta: "Somos obrigados a rever e redefinir radicalmente nossas idéias a respeito do destino das imagens na era da reprodutibilidade técnica, como este fora descrito por Walter Benjamim em seu famoso ensaio”.

Para Benjamin, o original de uma obra de arte estava atrelado a seu lugar específico, quase sagrado. A cópia, por sua vez, era profana, deslocada, desterritorializada. Hoje, porém, quando se fala no “arquivo de imagem” que compõe uma obra de arte, o original carrega em si um não-lugar e uma não-identidade, já sendo desterritorializado por princípio.

O que não dizer então da produção de um VJ, que mixa seu vídeo em tempo real? E da internet, um "espaço de exposição quase transgeográfico", como define Sabine Maria Schmidt, em texto publicado no catálogo da mostra. Ou seja, ao ser abolida a distinção entre original e cópia, as cópias expostas em um museu – como no caso da exposição em cinco diferentes instituições alemãs até o próximo 21 de maio – assumem o lugar de originais. “A cópia se converte em original”, conclui Groys. O que diria Benjamin disso?