Museu do Remix discute direitos autorais em tempos de internet
25 de junho de 2014O Grumpy Cat (Gato Mal-humorado, em inglês) é uma celebridade na internet. Suas fotos foram compartilhadas por milhares de pessoas. Com balões de fala, palavras foram colocadas em sua boca, os fundos das fotos foram trocados e vídeos com o azedo gatinho foram postados no Youtube. O animal que virou febre na internet – um meme – agora foi parar num museu: o Museu do Remix, um espaço virtual criado pela iniciativa Recht auf Remix (Direito ao Remix, em alemão).
"Usar o termo museu é algo provocativo", considera Annett Holzheid, cientista de mídia da Universidade de Siegen e uma das curadoras do projeto. Ela acredita que o termo seja apropriado para a página na internet, já que, como num museu de verdade, o intuito é colocar as pessoas em contato com as obras de arte, transmitindo conhecimento.
"Queremos achar respostas para o contexto cultural: por que os remixes surgiram? Em que contexto eles aparecem? Como as pessoas reagem a eles?", diz Holzheid. Afinal de contas, um remix – termo usado aqui não apenas para músicas, mas também para montagens ou colagens audiovisuais – não é uma mera cópia criada através do recorta e cola. Muitas vezes, há muita criatividade envolvida. Um bom remix cria algo original e novo, sem "ferir" a essência do original.
No Museu do Remix fica claro que os remixes, colagens e montagens não são um fenômeno tão novo assim. Seus precursores podem ser encontrados no começo do século 20. Um exemplo é Je ne vois pas la femme cachée dans la forêt, de 1929. Ao redor da pintura La femme cachée, de René Magrittes, foram colocadas fotos 3x4 de intelectuais do surrealismo, como Salvador Dalí, Max Ernst e André Breton. Os homens têm os olhos fechados e parecem sonhar com o corpo da mulher que se encontra no meio deles. A obra faz referência ao debate entre gêneros, misturando o velho e o novo.
As montagens também foram usadas pelos ingleses durante a Segunda Guerra Mundial. Eles misturaram imagens de um filme de propaganda nazista e um número de dança britânico muito popular na época, com o intuito de ridicularizar a máquina de guerra nazista de Hitler.
Do pop à arte
Como exemplo da diversidade dos remixes, o museu virtual apresenta uma foto do renomado artista alemão Gerhard Richter ao lado da canção de hip hop The Adventures of Grandmaster Flash on the Wheels of Steel.
"Queremos mostrar toda a extensão dos remixes, colocando lado a lado a cultura pop e a arte", diz Leonhard Dobusch, um dos fundadores da Recht auf Remix e pesquisador sobre direito autoral transnacional na Universidade Livre de Berlim. Entretanto, a curadora Holzheid também vê um problema com relação à diversidade dos trabalhos, temendo que o uso do termo remix fique amplo demais.
Assim, vários critérios são considerados pelos curadores antes de escolherem as obras a serem expostas no museu virtual. O remix moderno deve ter sido concebido na era digital, de modo que, com a ajuda da tecnologia, possa ser propagada e alterada de maneira rápida e fácil. Os trabalhos também devem ter conteúdo criativo próprio, mas as fontes sempre devem vir indicadas.
Direito versus criatividade
Os direitos autorais podem ser um problema. De acordo com as leis europeias, um artista que faz um remix, uma montagem ou colagem precisa ter autorização do autor para publicar a obra. Isso pode ficar complicado, se várias gravadoras ou outras empresas que trabalham com conteúdo criativo estiverem envolvidas.
Segundo Dobusch, esse processo restringe a criatividade dos artistas. "Desde os julgamentos contra remixes nos anos 1990, o uso de samples nas faixas de hip hop diminuiu."
Um dos intuitos do Museu do Remix é chamar atenção para o problema. "Queremos alcançar pessoas fora da internet, que fazem arte e cultura, mas não estão cientes dessas questões legais", diz Dobusch.
Mas isso também acontece involuntariamente com alguns videoclipes que são bloqueados no Youtube alemão, como o Endtroducing, do DJ Shadow. O motivo é a disputa judicial entre a Google, proprietária do portal de vídeos, e a GEMA, entidade alemã de defesa de direitos autorais. Até o momento, as duas partes não conseguiram chegar a um acordo em relação a quanto dinheiro a Google tem que pagar para poder exibir vídeos de certos artistas.
Mais liberdade
A iniciativa Recht auf Remix luta por uma mudança na lei dos direitos autorais. Aqueles que não ganham dinheiro com seus remixes, colagens e montagens, não devem ser processados. Para os trabalhos com uso comercial, Dobusch propõe aplicar o mesmo princípio usado em relação às regravações, popularmente conhecidas como cover: os trechos reutilizados são registrados e os autores recebem dinheiro por isso.
O advogado Michael Terhaag, que tem diversos artistas entre seus clientes, não concorda com esse raciocínio. "Quem já escreveu um livro, sabe o trabalho envolvido." Por isso, ele entende por que muitos autores não querem que alguém simplesmente modifique seu trabalho.
Além disso, Terhaag lembra que remixes privados são permitidos, mas "só não podem ser colocados no Youtube". Mas ele também vê problemas em relação aos direitos autorais, já que julgar quando uma obra se torna uma nova criação depende da interpretação. "Essa insegurança jurídica me irrita", diz.
Remixes como aperitivo
Holzheid não acredita que os remixes sejam desvantajosos para os autores. Pelo contrário: "É como um prato com aperitivos. É aí que fico com vontade de saber a procedência do que me é oferecido e de saber mais sobre a música dos anos 1950, por exemplo." Mas a condição é que sempre se respeitem e se nomeiem as fontes.
Para muitos artistas, os limites da reutilização de obras já existentes ainda não está claro. Enquanto os direitos autorais não se adaptarem às novas possibilidades tecnológicas, é preciso ter muito cuidado em relação ao que se coloca na internet. Uma consciência de que há um custo em se produzir cultura deve ser criada. O Museu do Remix é um passo para levar adiante uma discussão que já extrapolou as fronteiras da rede.