Mundo islâmico critica mesquita liberal de Berlim
21 de junho de 2017Sunitas, xiitas, alevitas, seja homossexuais ou heterossexuais, são bem-vindos nas orações de sexta-feira da mesquita liberal Ibn Rushdn Goethe. Os cultos são realizados nas instalações da igreja luterana de St. Johannes, no bairro de Moabit, em Berlim. Uma reportagem da redação árabe da Deutsche Welle sobre a iniciativa da ativista dos direitos das mulheres Seyran Ates, que fundou a mesquita apesar da oposição de muitos, provocou desaprovação e críticas severas no mundo árabe.
Leia mais: Primeira mesquita liberal da Alemanha abre as portas em Berlim
Também muitos jornais de países islâmicos publicaram reportagens sobre o novo templo. O jornal pró-governo turco Sabah, por exemplo, classifica a mesquita de "absurda". O jornal Yeniakit acusa Ates de ser uma curda seguidora do teólogo turco Fethullah Gülen. Já o diário Daily Pakistan criticou o fato de as mulheres poderem frequentar a mesquita de Berlim sem usarem véu.
"Sem noção da religião"
Homens e mulheres sem véu que rezam juntos e uma imame do sexo feminino? Para muitos no mundo árabe, isso vai longe demais. "Eles criaram uma nova religião, isso não é o islã", comenta um visitante do site da DW em árabe. "Essas pessoas não seguem a religião do nosso profeta. Elas não têm noção da religião. Que absurdo", diz outro.
A reportagem da DW Árabe foi clicada mais de 1,7 milhão de vezes até a tarde de segunda-feira. A redação já contava com esse tipo de reação. "As pessoas reagem de forma muito sensível e desconfiada a tudo o que diz respeito ao código de conduta habitual dentro da visão conservadora", avalia o redator do setor de mídia social do serviço árabe da DW Tarek Anegay.
Conspiração do Ocidente
Um tema especialmente controverso é a equiparação de homens e mulheres na sociedade muçulmana e a falta do véu para fiéis mulheres. "Um tabu especial é representado pela mulher imame", diz Anegay. Tal liberalização do islã é considerada pelos mais conservadores uma conspiração do Ocidente contra os muçulmanos.
"O alto número de muçulmanos torna a Europa temerosa. Por isso, os europeus estão tentando vender um novo islã que combine com a vida na Europa", comenta Manhal al-Ahmad em texto postado na conta de Facebook da DW Árabe. "Eu acho que eles não vão conseguir alcançar seu objetivo. Eles vão desistir no final e, em alguns anos, se dar conta de que a luta contra esta religião foi algo errado."
"Nos países árabes, de fato, impera a impressão de fque o Ocidente quer impor seu estilo de vida ao mundo árabe", afirma Rainer Sollich, diretor da redação online do serviço árabe da DW. "Os adversários da ideia de um islã progressista também tiram vantagem disso. É uma agenda bastante populista. Ela funciona porque muitas pessoas no mundo islâmico concordam com ela."
Discussão emotiva
"Em geral, o tom dos comentários é bem agressivo e emotivo", diz Anegay, acrescentando que havia entre eles muitos insultos, ameaças e difamação. "Contamos mais de 15 mil comentários, mas nós tivemos que remover grande parte deles", diz Anegay.
"Em geral, no mundo árabe, muitos não entendem esforços de reforma ou análise crítica de sua fé", ressalta Sollich, acrescentando haver, entretanto, uma crescente consciência sobre mudanças necessárias.
Reação de autoridade islâmica
Na segunda-feira, também a Dar al-IFTA, renomada instituição estatal egípcia que difunde explicações sobre assuntos relacionados ao islã, criticou a mesquita de Berlim.
"Durante a oração, a separação entre os sexos não deve ser suspensa", condenou, acrescentando que a proximidade física entre homens e mulheres dentro da mesquita não deve ser permitida e que isso "transgride claramente as regras sagradas da sharia". A Dar al-IFTA serve para esclarecer problemas religiosos ou legais que acontecem entre fiéis muçulmanos.
"Essas controvérsias são parte do nosso noticiário", diz Anegay. "Nós sabemos que muitos árabes não gostam disso. Mas todo mundo tem o direito de interpretar a sua fé, desde que sejam respeitados os direitos e a dignidade dos outros", sublinha.
"As pessoas viram a reportagem e se sentem atacadas. Mas não querem dedicar tempo a fazer um questionamento", conclui Anegay. Ele cita um filósofo islâmico que disse: "O caminho para a fé passa por perguntas."