Morre um patriota
4 de agosto de 2008Muitos títulos estavam associados ao seu nome: gigante da literatura, dissidente, lutador pelos direitos humanos, profeta, autoridade moral, admoestador. Pelo mundo afora, muitos o admiravam pela coragem de enfrentar os ditadores comunistas da União Soviética. Nenhuma ameaça, nenhuma pena de prisão, nem mesmo o exílio levaram-no a abdicar de dizer e escrever a verdade sobre o que acontecia no antigo Bloco Oriental. Agora, o Nobel de Literatura Alexander Soljenítsin, autor do Arquipélago Gulag, morreu aos 89 anos.
Soljenítsin interessava-se sobretudo por valores. Ele detestava a mentira e a combatia à sua maneira – por meio da palavra escrita. Os comunistas mentiam a respeito da chamada Revolução de Outubro. Soljenítsin desencantava o mito ao sinceramente chamar a tomada do poder pelos beleguins de Lênin e Trótski de golpe de Estado.
Durante muito tempo, os poderosos do Kremlin fizeram de conta que o chamado primeiro Estado dos trabalhadores e dos camponeses era o paraíso terrestre. Em seu texto O Primeiro Círculo, em Arquipélago Gulag e em outras obras, Soljenítsin escreveu a verdade sobre a vida de milhões de pessoas inocentes nos campos de prisioneiros do império vermelho.
Após a derrocada da URSS, os novos senhores em Moscou banhavam-se em autocontentamento. Soljenítsin voltou a se manifestar. Criticava a incapacidade de estabilizar a economia do país, censurava o capitalismo predatório, que destruía os tesouros da Rússia.
Mas Soljenítsin não era um parceiro cômodo para o Ocidente. Ele era democrata, mas criticava os aspectos negativos do sistema partidário. Ele advertia seus compatriotas de imitar o Ocidente.
Soljenítsin era cristão convicto, membro da Igreja Ortodoxa Russa. Muitos ocidentais não conseguiam compreender isso, visto que a Igreja representava um rigorismo moral que não combinava com o zeitgeist relativista do presente. O escritor, com sua longa barba e fisionomia séria, foi difamado ao longo de sua vida. Ele suportava isso com paciência e concentrava-se com disciplina admirável em seu trabalho. Mas, com a idade, evitava cada vez mais a mídia, a televisão e os jornais.
Com a morte de Soljenítsin, a Rússia perde um patriota e a Alemanha, um amigo. Continua inesquecível o fato de os comunistas terem expatriado Soljenítsin em 1974 justamente para a Alemanha, onde se hospedou inicialmente na casa de seu amigo e literato Heinrich Böll.
Soljenítsin conhecia e amava a cultura alemã. Tentou familiarizar seus filhos com ela, tanto quanto possível. Pertencendo à geração que tinha participado da Segunda Guerra Mundial, empenhou-se durante toda a vida por uma reconciliação entre os dois grandes povos.
"Para mim, ficou claro que a linha que separa o bem do mal não transcorre entre Estados, nem entre classes, e nem entre partidos políticos, e sim pelo meio de cada coração humano", escreveu ele certa vez. (lk)
Miodrag Soric é diretor da DW-RADIO.