Morre Liu Xiaobo, dissidente sem inimigos nem ódio
13 de julho de 2017Liu Xiaobo, morto nesta quinta-feira (13/07) em consequência de um câncer, foi um verdadeiro patriota chinês, um homem de visão, com uma missão para o seu país. Sem deixar de se intimidar pelo praticamente onipotente Partido Comunista (PC), com admirável persistência manteve a própria convicção de que o melhor para a China e os chineses não é a ditadura unipartidária, mas sim democracia, divisão de poderes, Estado de direito.
Ele tinha claro que essa atitude poderia colocá-lo em dificuldades: "Perder a liberdade faz parte dos riscos profissionais do dissidente", disse, numa entrevista à DW, num saguão de hotel, em 2007. Na época, antecipando os Jogos Olímpicos de Pequim, as autoridades do país se mostravam um pouco mais abertas com a imprensa estrangeira.
O homem sentado diante do repórter era pequeno, quase frágil, de cabelos curtos e óculos, a acepção do intelectual. E, no entanto, dotado de uma vontade férrea associada a gentileza; uma coragem sem limites complementada pelo humor.
Compromisso com os mortos da Paz Celestial
A essa altura, Liu já conhecera o cárcere, e muito bem. Por três vezes, nos anos 90, estivera atrás de grades, por um total de quase cinco anos. A primeira vez, depois da brutal repressão do movimento democrático, em junho de 1989. Para participar dele, pouco antes Liu regressara especialmente à China, de uma viagem de pesquisa nos Estados Unidos.
Na noite de 3 para 4 de junho daquele ano, ele desempenhou um papel crucial, ao mediar uma retirada pacífica para um grupo de estudantes que protestava na Praça da Paz Celestial. Desse modo, cuidou para que a ofensiva militar da liderança chinesa contra o próprio povo não custasse ainda mais vidas.
O massacre da praça Tiananmen marcou Liu. Como sobrevivente, ele considerava sua obrigação lutar por justiça para os mortos. "Tenho uma espécie de sentimento de dever em relação aos falecidos, de que nunca consigo me livrar", confessou na entrevista em 2007.
Carta 08 e prisão
Em dezembro de 2008, Liu Xiaobo publicou, juntamente com mais de 300 outros intelectuais e ativistas dos direitos civis da China, a Carta 08. O manifesto exigia reformas democráticas na China por meios pacíficos. Foram enumeradas 19 medidas para melhorar a situação dos direitos humanos no país, entre as quais, uma Justiça independente, liberdade para fundar associações, fim do sistema unipartidário.
O regime entendeu a iniciativa como um ataque frontal, tão mais ameaçador por ser assinada por intelectuais de alas muito diversas e em parte antagônicas. Poucos dias mais tarde, Liu era preso como principal iniciador do manifesto. Sem que tivesse a sorte de contar com uma Justiça independente, em 25 dezembro de 2009 ele foi condenado a 11 anos de cárcere por "instigação à derrubada do poder estatal".
John Kamm, fundador do grupo americano de assistência jurídica Dui Hua (Diálogo) constata que Liu recebeu a pena mais longa desde que fora introduzido na lei o delito de tentativa de instigação à queda do Estado, em 1997.
O cronograma pérfido do processo marcou a proclamação da sentença justamente para o dia de Natal, pois, durante as festas de fim de ano, grande parte dos correspondentes de veículos estrangeiros em Pequim vai para casa. Assim, ficava assegurado o menor grau de atenção internacional e um mínimo de manchetes negativas.
Grande ausente do Nobel 2010
O mundo pôde ler a reação de Liu Xiaobo a sua prisão, seu processo e a sentença em fevereiro do 2010. Num ensaio, o dissidente declarava: "Quero dizer, ao regime que me priva da minha liberdade: não tenho inimigos" – e nisso ele incluía expressamente até mesmo policiais, promotores e juízes. "Não aceito a vossa vigilância, vossa prisão, vossas sentenças. Mas respeito a vossa profissão e as vossas personalidades."
Liu se manifestou também contra o ódio: "O ódio corrói a sabedoria e a consciência de uma pessoa. O raciocínio em termo de inimigos é capaz de envenenar o espírito de uma nação, destruir tolerância e humanidade e bloquear o caminho para o progresso e a democracia. Quero estar apto a retribuir a hostilidade do regime com as melhores intenções e abrandar o ódio com o amor."
Esse texto foi lido durante a talvez mais notória "aparição pública" de Liu: uma cadeira vazia representou o preso político no palco, quando, em 10 de dezembro de 2010, lhe foi concedido o Prêmio Nobel da Paz. O Comitê em Oslo o elegera por seu "longo e não violento combate pelos direitos humanos fundamentais na China".
Libertação tardia
Nem mesmo a esposa do intelectual chinês, Liu Xia, pôde representá-lo na entrega do prêmio. Numa espécie de punição coletiva, a artista está sob prisão domiciliar desde 2010.
Antes, quando jornalistas ainda podiam entrevistá-la, ela comentara à Deutsche Welle: "Liu Xiaobo tem uma vontade incrivelmente forte. Quando ele acredita numa meta, vai nessa direção, mesmo sabendo que nunca vai alcançá-la. Ele tem uma coisa incrivelmente teimosa dentro de si."
Todos os apelos ao governo chinês para que libertasse o então enfermo dissidente caíram no vazio. No fim de junho de 2017, Liu Xiaobo pôde finalmente deixar a prisão, mas só para ser imediatamente internado no hospital.
Devido a um câncer hepático em estádio terminal, lhe fora concedido "sursis para tratamento médico", explicou seu advogado, Shang Baojun. No entanto, nem ele nem a esposa obtiveram permissão para viajar para o exterior em busca de um tratamento para o dissidente. Ele morreu aos 61 anos.