Morre Dora Schindel, que ajudou judeus a fugir ao Brasil
12 de janeiro de 2018Dora Schindel, cofundadora da Sociedade Brasil-Alemanha (DBG, na sigla em alemão) e responsável por ajudar vítimas do nazismo a fugir para o Brasil, morreu nesta quinta-feira (11/01), aos 102 anos, em sua casa em Bonn.
Schindel manteve uma estreita ligação com o Brasil, tendo sido agraciada com a Ordem de Rio Branco quando completou 100 anos. Segundo a advogada Paula Katzenstein, da DBG, Schindel adorava contar histórias sobre sua vida no país. "Ela adorava contar que, quando chegou ao Brasil, em Copacabana, com um navio a vapor, e colocou o pé na praia, saiu de lá com um bicho de pé."
Dora Schindel ajudou vítimas do nazismo a fugir para o Brasil
Nascida em 16 de dezembro de 1915 em Munique, dona Dorli – como era conhecida na DBG – emigrou duas vezes da Alemanha para escapar da perseguição nazista aos judeus. Na primeira vez, em 1938, foi para Zurique, onde estudou ciências químicas e matemática, ao mesmo tempo em que foi aluna ouvinte dos cursos de arte e literatura.
Durante um passeio por Salzburgo, na Áustria, ela conheceu seu futuro esposo, o professor Hermann Görgen, com quem organizou, entre os anos de 1940 e 1941, a fuga ao Brasil de 48 pessoas perseguidas pelo regime nazista.
No chamado "Grupo Görgen", também apelidada de "a lista de Schindel", havia judeus, mas também integrantes "arianos" que faziam parte da resistência política e religiosa da Alemanha – entre eles, o ex-governador do Sarre Johannes Hoffmann, além de pessoas oriundas da Áustria (anexada à Alemanha durante a Segunda Guerra) e da República Tcheca.
A fuga do grupo ocorreu pela Suíça – conforme explicou Schindel numa entrevista à DW Brasil em 2007 – e foi viabilizada com a ajuda do Comitê de Ajuda aos Intelectuais Refugiados e do então enviado brasileiro junto à Liga das Nações, César Weguelin de Vieira, em Genebra.
Para obter os vistos para os perseguidos, Görgen e Schindel se comprometeram a construir uma indústria metalúrgica em Juiz de Fora, Minas Gerais. A empresa levou o nome de Indústrias Técnicas Ltda., e Schindel assumiu a administração.
Em 1955, ela retornou à Suíça e, dois anos depois, transferiu-se para Bonn, onde Görgen integrava o Parlamento da Alemanha como deputado da União Democrata Cristã (CDU). "Senti saudades da imensidão do Brasil e da alegria de seu povo", disse Schindel, em 2007, à DW Brasil.
Em 1960, Schindel e Görgen fundaram a Sociedade Brasil-Alemanha, onde Dorli trabalhou, voluntariamente, como integrante honorária da diretoria.
"Criamos a DBG por dois motivos: primeiro, em gratidão pelo fato de o Brasil ter salvado nossas vidas; segundo, para acabar com preconceitos que existem nos dois países. No Brasil se pensa que todos os alemães são nazistas; na Alemanha se pensa que o Brasil é só samba e favela e que sequer tem uma cultura própria", relatou.
Görgen faleceu em 1994. Em sua biografia, ele conta que o Brasil poderia ter ajudado a salvar mais judeus se diplomatas brasileiros em Hamburgo e Berlim não tivessem frustrado em grande parte um acordo assinado entre o Vaticano e o governo de Getúlio Vargas, em 1939, que previa a concessão de três mil vistos de permanência no Brasil para "não arianos católicos". Dos três mil vistos, apenas cerca de mil foram expedidos.
À DW, Schindel afirmou que aprendeu com os brasileiros a encarar a vida positivamente. "Provavelmente, eu seria muito triste, se não tivesse um contato tão intenso com os brasileiros. Meu coração pertence pelo menos 50% ao Brasil. Em toda a minha vida vou permanecer grata a esse país que é um presente de Deus. Deus é brasileiro, sim", disse.
PV/dw
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