Paz no mundo
20 de setembro de 2009Em sua mensagem por ocasião do Dia Internacional da Paz, neste 21 de setembro, o secretário-geral da ONU faz um apelo a favor do desarmamento e pede à comunidade internacional que siga o caminho da paz. "O fato de haver cada vez menos guerras entre países deve nos encorajar", ressalta Ban Ki-Moon.
Terá o mundo realmente ficado mais pacífico? Muitas missões das Nações Unidas nos últimos anos vêm tentando exatamente isso. E, ao mesmo tempo, pretendem zelar pela observância dos direitos humanos. Isso nem sempre é fácil, pois na maioria das vezes a ONU é obrigada a colaborar com os governos dos países atingidos. Também não são poucas as vezes em que as próprias tropas são alvo de críticas.
Em entrevista à Deutsche Welle, Wolfgang Heinz, pesquisador do Instituto Alemão para os Direitos Humanos em Berlim e um dos 18 membros da comissão de especialistas do Conselho de Direitos Humanos da ONU, fala sobre a gama de problemas que atingem as missões das Nações Unidas em diversos países do mundo. Desde dezembro de 2005, Heinz é também membro do comitê antitortura do Conselho da Europa.
Deutsche Welle: O número de operações de paz da ONU aumentou de forma significativa desde os anos 1990. Não se trata mais apenas de garantir a segurança ou o cumprimento de acordos de cessar-fogo, mas também de promover e proteger os direitos humanos. Como é possível cumprir essas tarefas numa região de conflito?
Wolfgang Heinz: Isso é extremamente difícil em vários países, já que, com frequência, as Nações Unidas dependem da cooperação com estas nações. E muitas vezes os próprios governos são a maior parte do problema.
Que credibilidade tem então tais missões, se os próprios militares enviados pela ONU violam os direitos humanos? Como por exemplo a violência sexual praticada contra mulheres e crianças no Congo?
Desde o início dos anos 1990, vem havendo um debate sobre abusos sexuais e estupros. Inicialmente, as agressões e a prostituição forçada no Kosovo por membros das operações de paz, tanto militares como civis. Depois também no Congo houve várias centenas de casos, centenas de denúncias, principalmente por membros do corpo militar.
É claro que isso colocou as Nações Unidas numa posição difícil, pois é óbvio que se perde credibilidade também entre a população local, cujo apoio é realmente necessário para a operação de paz. No caso de abuso de violência ou de violência contra mulheres, fizemos ao longo do tempo um relato detalhado do ocorrido. Investigamos casos individuais e afastamos da missão pessoas que foram consideraradas culpadas. Os países de origem dessas pessoas têm a obrigação legal de submetê-las à lei penal nesses casos.
Como as vítimas de tais violações dos direitos humanos podem proceder? Que chances existem de que os responsáveis sejam punidos?
Pelas razões já mencionadas, isso é difícil. Se as vítimas acusam alguém, o caso precisa ser investigado. É preciso esperar. Esta é naturalmente uma importante tarefa para a chefia da operação de paz. É preciso haver um local onde sejam recebidas essas queixas. Pode tratar-se, por exemplo, de um acidente de trânsito, no qual alguém da população local foi ferido ou até mesmo morto.
Pode também tratar-se de agressões sexuais ou até de estupro. Isso precisa ser investigado. Mas as Nações unidas só podem fazer isso por vias disciplinares. E naturalmente é necessária também a cooperação de testemunhas, seja da população local ou das unidades militares. O aspecto criminal, por seu lado, só pode ser tratado no país de origem do acusado. Geralmente é difícil, é um longo caminho.
Neste contexto, surge uma situação estranha, ou seja, a ONU, popr um lado, é uma organização internacional que se empenha abertamente pela democracia, pelos direitos humanos, pelo Estado de Direito, mas cujo pessoal, ao mesmo tempo, goza de imunidade legal nos países onde participa de missões e não pode simplesmente ser acusado legalmente por delitos supostamente cometidos.
Desde 1994, a Alemanha participa ativamente de missões de paz da ONU. Delas participam atualmente até mil policiais e membros das Forças Armadas. De que forma eles estão comprometidos com o cumprimento dos direitos humanos, através da Carta das Nações Unidas, através do direito consuetudinário internacional ou pela Lei Fundamental alemã?
No tocante ao atual mandato da Bundeswehr no Afeganistão, há, naturalmente, por um lado, as diretrizes do mandato do Conselho de Segurança. Em segundo lugar, eles têm instruções específicas expedidas pelo Ministério da Defesa em 2007.[...] Portanto, existe uma base jurídica clara. Além disso, há consultores jurídicos que prestam assessoria ao comandante das unidades militares da Bundeswehr no Afeganistão ou em qualquer outro país.
Chegou a haver casos deste tipo de violações dos direitos humanos por parte de cidadãos alemães em missões de ONU? Eles foram punidos de alguma forma?
Houve algumas acusações, por exemplo, de que soldados alemães teriam usado os serviços de prostitutas forçadas no Kosovo no início dos anos 1990.
E há duas situações no Afeganistão que receberam bastante atenção da mídia no ano passado e neste, envolvendo a morte de civis. No ano passado, um sargento atirou contra um carro que, segundo ele, se aproximou muito rapidamente de um posto de controle da Bundeswehr. Morreram a mãe e dois filhos, sendo que outros dois filhos ficaram feridos.
Posteriormente, houve uma investigação criminal inicialmente em Potsdam, onde fica a base de comando da operação, e mais tarde em Rostock. Lá, a Promotoria Pública investigou durante oito meses e arquivou o processo, porque concluíram que o sargento havia observado os requisitos legais e, acima de tudo, as regras do seu trabalho.
Claro que é preciso considerar as condições de trabalho da Promotoria em Rostock, que não dispunha dos corpos das vítimas, nem do veículo em que estavam, nem se foi ao Afeganistão. Por fim, havia apenas as declarações dos membros da Bundeswehr e não de afegãos.
E agora, como representante do Instituto Alemão para os Direitos Humanos em Berlim, o senhor exige uma atitude do governo alemão. O que Berlim poderia fazer para melhorar a situação e dar mais credibilidade a tais missões?
Acreditamos ser importante que, quando se decide sobre uma operação [da ONU], o governo alemão sempre insista na questão dos direitos humanos. Isto é, que seja dito claramente que as regras de respeito aos direitos humanos devem ser obrigatoriamente obedecidas em missões de paz. E isto deve ser mencionado explicitamente no próprio mandato. O governo deveria assegurar que a questão dos direitos humanos no mandato seja definida como um compromisso legal assumido pelos participantes das missões da ONU. Creio que este seja um ponto importante.
Mas este já é um apelo ao Conselho de Segurança.
Isso requer uma política ativa no debate sobre um mandato no Conselho de Segurança. E deveria-se considerar que, quando o Parlamento alemão toma uma decisão sobre um mandato, ele também deveria definir diretrizes.
A Alemanha deveria se manter atenta aos inquéritos disciplinares da ONU, conduzidos em casos de violação contra as diretrizes das missões. Deveria haver um sistema transparente e eficaz, no qual a população local dos países onde são realizadas as missões também possa ser informada sobre os resultados das apurações. De modo que se tenha a impressão de que as organizações internacionais arcam com a responsabilidade por suas ações em relação à população local.
Um último ponto ainda: o Parlamento alemão deveria discutir com mais afinco os aspectos relacionados aos direitos humanos das operações de paz da ONU, consultando para isso também especialistas externos.
É claro que o Parlamento sempre se informa, em primeira linha, através do governo federal. E isso está correto. Mas acredito que aqui seja também importante ouvir as experiências de outras instituições e de outros especialistas, de forma que a missão respeite os direitos humanos também em sua própria relação com a população local.
Entrevista: Ulrike Mast-Kirschning/RW
Revisão: Soraia Vilela