Tragédia e consequências
6 de setembro de 2009Para o democrata-cristão Franz Josef Jung, ministro alemão da Defesa, a situação no momento é das mais desconfortáveis. Pois, sob seu ministério, foi ordenado, na última sexta-feira (04/09), um ataque aéreo norte-americano a uma pequena localidade na província de Kunduz, norte do Afeganistão. O ataque deixou um número de vítimas até agora não especificado: fontes diversas mencionam desde 50 até 120.
Oficiais da Otan na região confirmam grande probabilidade de que haja habitantes civis da região entre as vítimas fatais do ataque. Stanley McChrystal, comandante da aliança militar, visitou no sábado o local dos bombardeios e o hospital de Kunduz, onde estão sendo tratados alguns dos feridos em consequência do incidente.
"Pôr a mão na consciência"
"Todas as vezes que alguém é ferido, há necessidade de colocar a mão na consciência, principalmente quando se trata de gente muito jovem, inclusive crianças", afirmou McChrystal. Segundo ele, proteger a população afegã é também responsabilidade da Otan.
No momento, há ainda uma série de questões em aberto em relação aos bombardeios. Não se sabe se a Bundeswehr (Forças Armadas alemãs) agiu de forma precipitada, ao acreditar em informações (não confirmadas) de que os caminhões-tanque atacados traziam apenas rebeldes talibãs. Existe até mesmo a teoria de que a Bundeswehr cogitou a presença de civis nos caminhões, mas, mesmo assim, deu a ordem de ataque.
Pontos pretos e sombras
Um oficial da Bundeswehr em Kunduz revidou neste domingo, contudo, a reportagem do jornal Washington Post, segundo a qual o ataque aéreo teria sido ordenado a partir do relato de um único informante afegão. Este informante teria dito que nos dois caminhões-tanque se encontrariam única e exclusivamente rebeldes talibãs armados.
O comandante alemão em Kunduz teria assistido a um vídeo gravado por um caça norte-americano F-15E, no qual se viam várias pessoas – "como pontos pretos" – ao redor dos caminhões-tanque. Não se podia reconhecer, contudo, se elas estavam armadas, pois "as imagens noturnas eram de muito má qualidade. Só se conseguia ver sombras", afirmou o norte-americano Gregory Smith, porta-voz do comandante da Otan McChrystal.
Sem justificativas
O ministro francês das Relações Exteriores, Bernard Kouchner, criticou o ataque como "um grande erro". Não intencionando culpar ninguém prematuramente, ele observou que o caso demanda uma investigação detalhada. A comissária de Exterior da União Europeia, Benita Ferrero-Waldner, referiu-se ao incidente como uma "grande tragédia".
Dentro da Alemanha, o ministro Jung tem sido também alvo de críticas. O líder da bancada do partido A Esquerda, Gregor Gysi, acusou o ministro alemão de acobertar o que realmente aconteceu.
"A situação no Afeganistão está se tornando cada vez mais desolada e crítica. Não se pode contribuir para a paz e para o desenvolvimento democrático jogando bombas", afirmou o político, cuja facção é a única no Parlamento alemão que se opõe terminantemente à presença dos solados alemães no Afeganistão. O ataque aéreo da última sexta-feira, segundo Gysi, não é "justificável nem desculpável".
O encarregado de questões de Defesa do Partido Verde, Winfried Nachtwei, cujo partido também criticou os bombardeios ordenado pela Bundeswehr, afirmou, porém, que uma retirada imediata das Forças Armadas Alemãs do país não seria indicada. "A consequência disso seria certamente uma aceleração da violência e da guerra", afirmou Nachtwei.
"Conhecimento de causa"
Em Potsdam, a direção do comando das missões da Bundeswehr afirma que "há necessidade de avaliar tudo detalhadamente".
O ministro Jung, por sua vez, acentuou em entrevista ao jornal Bild am Sonntag, que "não compreende aqueles que, sem conhecimento de causa, já estão criticando agora a conduta militar". Segundo Jung, os soldados alemães teriam agido de forma "dura, mas sempre adequada à situação".
Povoado lamenta mortes
Em Jakubi, um povoado pobre situado nos arredores de Kunduz, a população lamenta a morte de 50 pessoas no incidente. "Vamos nos vingar, muitos inocentes foram mortos aqui", afirmou um rebelde que não quis ser identificado. Os habitantes de Jakubi contam que os caminhões foram atacados quando 200 pessoas se reuniram ao redor dos mesmos, a fim de tirar combustível de seus tanques.
"Toda família tem uma vítima a lamentar, algumas foram exterminadas por completo", diz Sahar Gul, o ancião do povoado. "Esta é uma tragédia que abalou muito as pessoas. A comunidade internacional veio para cá para nos ajudar, mas agora não estão mais fazendo isso. Estão atirando bombas na gente", afirmou Mohammed Din, outro morador da localidade.
Efeitos eleitorais
A três semanas das eleições parlamentares na Alemanha, as críticas ao ataque ordenado pela Alemanha podem se transformar em munição para a oposição ao governo da premiê Angela Merkel. Antes mesmo do incidente, a participação de soldados alemães na missão da Isaf no Afeganistão já contava com altos índices de rejeição por parte da população.
E a milícia talibã certamente sabe que um grande ataque à Bundeswehr no Afeganistão influenciaria com certeza os rumos da política interna alemã. A título de exemplo: após os atentados terroristas de 2004 em Madri, a Espanha retirou suas tropas do Iraque.
SV/dpa/ap/afp/rtr
Revisão: Augusto Valente