Milosevic "convoca" chefes de governo
4 de julho de 2004Desde fevereiro de 2002, corre em Haia o processo contra Slobodan Milosevic. O ex-chefe de governo da então Iugoslávia é acusado de genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, cometidos nos territórios que hoje pertencem à Croácia, Bósnia-Herzegóvina e ao Kosovo. O advogado Milosevic, por vontade própria, assume oficialmente a própria defesa, que se inicia nesta segunda-feira (5/7).
Quando o acusado começar a explanar em Haia, tudo parecerá certamente mais singular do que aquilo que se vê nas atividades corriqueiras de um tribunal. Pois o réu, no caso, afirma não reconhecer nem a legitimidade do TPI, nem o processo movido contra ele. Embora esteja claro que ele já tenha se conformado há muito com o fato de que não pode mudar nada na situação.
Nos bastidores, levas de juristas
Com base em tais "discordâncias", Milosevic se recusou a nomear um advogado de defesa e até mesmo a aceitar um encarregado pelo Tribunal para assumir o posto. O que é apenas fachada, pois, nos bastidores, há uma leva enorme de juristas trabalhando por ele. Se é que se pode falar num caso desses de "defesa", considerando que o réu rejeita a própria existência da corte que o acusa.
Milosevic pretende incluir o próprio TPI em seu rol de testemunhas. Além de todos aqueles que o derrotaram. Antes mesmo do início da defesa, já anunciou que quer convocar vários destes "inimigos" para depor em Haia. Trata-se de chefes de governo e Estado, ministros e outros tantos representantes da elite política ocidental, que, após um estreito contato por anos a fio, teriam passado a enganá-lo e combatê-lo com veemência.
Clinton, Schröder & cia.
A enorme lista de nomes vai do ex-presidente Bill Clinton, passando pelo premiê alemão Gerhard Schröder e indo até o ex-ministro alemão das Relações Exteriores, Hans-Dietrich Genscher. Milosevic parece querer reescrever o último capítulo da história da ex-Iugoslávia. Para isso, pretende convocar 1300 testemunhas. Resta saber se o Tribunal irá permitir tal façanha, considerando que a promotoria precisou de mais de dois anos para ouvir os 300 depoimentos na primeira fase do processo.
Milosevic manteve-se todo o tempo insistindo para que o mesmo direito lhe fosse também reservado, tendo pedido inclusive mais tempo para preparar sua defesa, sob o argumento de que, em função de problemas cardíacos e outras deficiências de saúde, tivesse estado sem condições de se preparar em diversas ocasiões.
Réu saudável, juiz morto
Tais enfermidades não são, de forma alguma, visíveis. Com aparência saudável, apenas seu cabelo parece mais grisalho. O que acabou não acontecendo com o juiz presidente, o britânico Richard May, responsável pelo processo. Este, que no início das acusações dava a Milosevic respostas impertinentes e lhe desligava o microfone em seguida, afastou-se do posto há alguns meses por motivos de saúde, tendo falecido há poucos dias.
Fato que não teve conseqüências imediatas para a condução do processo, como temia-se há pouco. Pois se um novo juiz tivesse que assumir a função, teria tido que se envolver com pilhas e mais pilhas de documentos acumulados em mais de dois anos. No lugar de May, assumiu Patrick Robinson, que já pertencia ao corpo de juízes que acompanham o processo.
Arena para discurso político?
Muita coisa ainda está em aberto neste início da segunda fase do "Processo Milosevic". Não se sabe nem mesmo quanto tempo o acusado terá para se defender e qual forma terá seu depoimento. Certo é que Milosevic tentará fazer de seu pronunciamento um discurso político – aos sérvios em casa e à opinião pública mundial.
Enquanto isso, obervadores aguardam apreensivos para ver quanto espaço lhe será concedido para tal. A única certeza que se tem, antes mesmo do início dessa segunda etapa de depoimentos, é a de que o processo movido contra Milosevic ainda está muito longe de chegar ao fim.