Apesar de rankings, universidades latinas atraem poucos estrangeiros
16 de setembro de 2014Universidades da América Latina passaram a figurar em rankings internacionais das melhores do mundo nos últimos anos, mas a presença delas no cenário internacional continua sendo pequena e, mesmo com o recente destaque, os estudantes estrangeiros continuam longe de suas salas de aula.
Em 2003, na primeira publicação do Ranking Acadêmico Mundial de Universidades, elaborado pela Universidade de Xangai, sete instituições latino-americanas entraram na lista das 500 melhores do mundo: quatro do Brasil, uma do México, uma da Argentina e uma do Chile.
Onze anos depois, dez fazem parte do ranking, sendo seis brasileiras (USP, UFMG, UFRJ, Unesp, Unicamp e UFRGS), duas chilenas (Universidade do Chile e Universidade Católica do Chile), uma mexicana (Universidade Nacional Autônoma do México - Unam) e uma argentina (Universidade de Buenos Aires).
Todas as universidades listadas em 2003 permaneceram na lista. USP, Unesp e UBA subiram de posição, enquanto UFRJ, Unam e Universidade do Chile permaneceram onde estavam e a Unicamp caiu.
Já no ranking da revista Times Higher Education de 2013-2014, apenas três instituições latino-americanas figuram entre as 400 melhores do mundo: a USP e a Unicamp, do Brasil, e a Universidade dos Andes, na Colômbia. Mas também nesse ranking há uma melhora: na primeira edição, em 2010-2011, nenhuma universidade da região estava na lista.
Rankings são importantes, mas não são tudo
Segundo Helena Sampaio, da Faculdade de Educação da Unicamp, as universidades latino-americanas passaram a figurar nos rankings internacionais após os governos investirem em políticas públicas voltadas a estimular a internacionalização do ensino superior, sobretudo no Brasil, no Chile e na Colômbia. "A presença nos rankings internacionais está relacionada com políticas nacionais que fomentam e promovem o aumento de publicações em revistas internacionais, além da participação em congressos internacionais", afirma Sampaio.
Os critérios de avaliação desses rankings, entretanto, costumam ser questionados pelas universidades da América Latina, e muitas rejeitam as avaliações. O diretor do Instituto Internacional para Educação Superior na América Latina e Caribe da Unesco, Pedro Henríquez Guajardo, diz entender as críticas. "Os indicadores usados não correspondem à realidade das universidades latino-americanas. Rankings são importantes, mas eles não são a única ferramenta para medir ou alcançar qualidade."
A lista da Times Higher Education engloba aspectos como ensino, pesquisa, inovação e internacionalização. A Universidade de Xangai classifica o ensino e a universidade pela quantidade de prêmios recebidos, principalmente Nobel, e avalia a pesquisa pelo número de artigos publicados em revistas especializadas internacionais.
As universidades latino-americanas criticam, por exemplo, que os rankings consideram apenas papers publicados em inglês, o que desconsidera boa parte da pesquisa feita por elas, que sai em revistas nacionais, em espanhol ou português.
Como o ensino superior na América Latina, em geral, ainda está em fase de constituição e consolidação, prêmios internacionais e publicações em revistas internacionais de renome não são prioridade para muitas instituições. Isso não significa, porém, que elas não façam pesquisa, não ofereçam um bom ensino ou não tenham um papel relevante no seu ambiente social.
Guajardo cita com alternativa aos rankings para avaliar as instituições latino-americanas um projeto desenvolvido em conjunto com universidades da região e a Comissão Europeia: o Infoaces, que reúne dados básicos de instituições e define 44 indicadores para avaliar e alcançar qualidade, como cursos oferecidos, infraestrutura, quantidade de alunos por professor, número de publicações por docentes e número de doutores formados.
Massificação do ensino superior
O ensino superior na América Latina passa por uma fase de expansão e, segundo os especialistas, a preocupação com o posicionamento em rankings internacionais se restringe às universidades de ponta. Assim, os rankings pouco dizem sobre a qualidade do ensino superior em todo um país.
"No caso brasileiro, a ampliação foi feita via setor privado, que não participa dos rankings internacionais. Estamos criando o ensino superior de duas categorias: as universidades de elite, que disputam a inserção nos rankings internacionais, e uma grande maioria de instituições de massa, que funcionam para democratizar o acesso. E, como processos de privatização de matrícula acontecem claramente no Chile e na Colômbia, acredito que esse modelo se reproduza também nesses países", avalia Sampaio.
Para o presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, Simon Schwartzman, a massificação do ensino superior também atinge as instituições públicas. "Os sistemas públicos de educação superior cresceram muito, mas sem políticas claras voltadas para a qualidade, apesar de alguns esforços", afirmou. Ainda assim, ele diz ver melhoras na pós-graduação de alguns países, principalmente Brasil, México, Chile e Argentina.
"O Brasil forma mais de 10 mil doutores por ano e tem aumentado sua participação na literatura científica internacional. O México tem um programa nacional de pesquisadores científicos e uma instituição nacional de pesquisa de alto nível. A Argentina tem estrutura semelhante. O Chile tem um importante programa de institutos e núcleos de pesquisa com financiamento de longo prazo", exemplifica Schwartzman.
Estrangeiros, pero no mucho
Apesar de estarem melhor posicionadas em rankings internacionais, as universidades da América Latina continuam atraindo poucos estudantes estrangeiros. Os dados da última publicação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre educação mostram que, em 2012, a região atraiu apenas 1,5% dos estudantes estrangeiros em todo o mundo.
O relatório também apontou que Cuba foi o país da região que mais atraiu estudantes de fora, seguido de Brasil, Granada, Chile e Argentina. A mobilidade dos estrangeiros na América Latina, entretanto, é predominantemente interna.
Em Cuba, 17% deles vieram da Bolívia, 7%, da China e 7%, do Equador. No Brasil, 11% vieram de Angola, 6%, da Guiné-Bissau e outros 5%, da Argentina. No Chile, 30% eram do Peru e 22%, da Colômbia. Na Argentina, 20% eram chilenos e 16%, uruguaios.
Segundo Guajardo, estudantes de outras regiões vêm para a América Latina principalmente por convênios entre universidades, e não por iniciativa pessoal. Além disso, a maioria fica apenas alguns meses.
Burocracia e a língua são os principais fatores que afastam estudantes e também professores da Europa, dos Estados Unidos e da Ásia das universidades latino-americanas. "As universidades públicas brasileiras, por exemplo, têm dificuldade de atrair funcionários do exterior porque não podem contratar um professor estrangeiro sem concurso público, e há a exigência do português", exemplifica Christina Peters, diretora do escritório regional da Universidade Livre de Berlim em São Paulo.
Apesar de existirem programas de pesquisadores visitantes, "eles não podem por exemplo, dar aulas em inglês na graduação". Mas Peters concorda que há mudanças em algumas universidades, como a Universidade Federal de Viçosa, da Unesp ou da FGV, que já estão ofertando aulas em inglês em alguns cursos.
No México, o Instituto Tecnológico e de Estudos Superiores de Monterrey também oferece cursos em inglês, e no Chile algumas instituições também têm aulas em inglês.