Merkel se rende à "UE de duas velocidades"
9 de fevereiro de 2017A manifestação da chanceler federal Angela Merkel à imprensa, durante a cúpula da União Europeia (UE) em Malta, começou com atraso. Originalmente planejada para as 18h da sexta-feira passada (03/02), a entrevista foi sendo adiada. À medida que o tempo passava, jornalistas deixavam a sala para pode entregar seus relatos a tempo. Por isso, poucos testemunharam o que a líder alemã tinha a dizer, já por volta das 20h. "A história dos últimos anos mostrou que também haverá uma UE com diferentes velocidades, que nem todos participarão sempre dos mesmos níveis de integração."
A frase quase não teve eco na mídia europeia no fim de semana seguinte, apesar de ter sido a primeira vez que a chanceler abraçou tão claramente essa ideia já antiga. Quem pensou que se tratava de uma declaração isolada foi surpreendido na terça-feira seguinte. Merkel voltou a falar da Europa das "duas velocidades" em encontro com a primeira-ministra polonesa, Beata Szydlo. A anfitriã, cujo país sempre se opôs a essa ideia, não discordou da colega alemã. No mais tardar aí ficou claro que Merkel decidiu adotar um caminho que considera viável para uma Europa em crise. E ela o seguirá com a determinação serena que lhe é peculiar. "Deve-se levar isso a sério", alerta um diplomata da UE.
Integração em diferentes velocidades
Na próxima cúpula em Roma, os líderes do bloco não querem apenas celebrar o 60º aniversário da Comunidade Econômica Europeia, mas também projetar uma visão para o futuro da UE pós-Brexit. Uma "Europa de duas velocidades" deverá ser parte dessa visão, ao que tudo indica. Embora a construção permita muita liberdade, pois países poderiam decidir se participam ou não de determinado projeto, considerando as sensibilidades nacionais, muitos se sentem desconfortáveis com ela. O ministro do Exterior da Letônia, Edgars Rinkevics, é um deles. "Há alguns anos, eu consideraria essa uma má ideia", diz Rinkevics. "Mas diante dos desafios atuais..."
Fato é que a Europa já anda em diferentes velocidades há décadas. A zona do euro, a liberdade de viajar no espaço Schengen, o protocolo social de Maastricht, tudo isso já é parte de uma "integração escalonada", já que nem todos os Estados-membros participam de tudo. Algumas constelações futuras já são previsíveis: a zona do euro, um núcleo com motor franco-alemão ou o círculo de membros fundadores da UE.
Mas isso não é também parte do problema? Os interesses dos países acabam se distanciando uns dos outros justamente porque a união entre eles vai se tornando mais fraca? "Em algum momento teremos a situação em que as decisões de um tipo de grupo central não serão mais compatíveis com as posições dos demais", adverte Rinkevics.
Manutenção do projeto UE
A questão é se a UE não estaria vendendo sua alma com o conceito das velocidades diferentes. Em tempos de Brexit, Trump, crise do euro e crise migratória, muitos políticos da União Europeia agem de acordo com a máxima "manter o bloco unido a todo custo, mesmo que isso signifique abrir mão de uma Europa coesa".
"Com as inúmeras crises, a UE perdeu seu foco estratégico", avalia a eurodeputada social-democrata eslovena Tanja Fajon. Ela teme que seu pequeno país fique para trás dentro de uma Europa de velocidades diferentes, porque não teria como se opor aos interesses nacionais dos grandes Estados ou às alianças na UE. "A ideia básica era, na verdade, que fôssemos parceiros em iguais condições e nos beneficiássemos de políticas comuns", observa Fajon.
Mas alguns países, como a Hungria, simplesmente se recusam a cooperar em questões mais sensíveis. A distribuição dos refugiados dentro da União Europeia é uma delas. De que vale a UE se a solidariedade é oficialmente excluída em favor de uma Europa à la carte? "Estamos numa situação sem precedentes", avalia Rinkevics. O objetivo principal é manter o projeto União Europeia, sobretudo no que diz respeito à economia e à moeda comum. A próxima crise grega se aproxima, talvez até mesmo uma guerra comercial com os EUA de Trump. Portanto, antes que tudo vá para o brejo, a chanceler alemã parece querer manter pelo menos o esqueleto da UE. Talvez o projeto conjunto acabe por ganhar mais carne e músculos algum dia, num futuro melhor, menos antieuropeu. Talvez a Europa das "duas velocidades" seja a última tentativa de Merkel para salvar a UE.