Merkel, a "eterna" chanceler
24 de setembro de 2017Quem quiser saber por que a chanceler federal Angela Merkel governa a Alemanha de forma tão duradoura e inconteste só precisa aprumar os ouvidos fora do partido dela. O Partido Verde, na verdade uma espécie de inimigo natural da União Democrata Cristã (CDU), não se cansa de elogiar a governante, que fez o que os verdes sempre exigiram: rejeitar a energia nuclear, aceitar os imigrantes.
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Também o ministro do Exterior, Sigmar Gabriel, ex-presidente do Partido Social-Democrata (SPD), uma agremiação que parece ter sido seriamente danificada por ter encolhido no papel de parceiro minoritário na chamada grande coalizão, só tem coisas boas a dizer. Merkel foi "sempre justa, sempre forte", disse Gabriel na última sessão parlamentar antes da eleição legislativa de 24 de setembro.
E agora Merkel quer o quarto mandato. E, ao que tudo indica, os alemães ainda não cansaram de ver e ouvir a chanceler. O partido dela lidera com folga as pesquisas de opinião, e a eleição parece ganha. E tudo estaria bem se não fosse o peso do quarto governo.
Em 1994, o então chanceler Helmut Kohl também iniciou seu quarto período à frente do governo. Kohl governava pensando nos livros de história. Depois da Reunificação, o político, falecido em junho, ainda queria ser lembrado pelo euro. Mas os últimos quatro anos de Kohl no poder – do ano 13 ao ano 16 de seu governo – viraram um longo canto do cisne de um chanceler quase petrificado em monumento. No final, ninguém o aguentava mais, e era chegada a hora de Gerhard Schröder.
Também Konrad Adenauer, o primeiro chanceler alemão, iniciou um quarto mandato, em 1961. Foi praticamente uma autoproclamação. Só conseguiu chegar até a metade.
Polo de tranquilidade
Merkel levou muito tempo para decidir se iria se candidatar a um novo período à frente do governo da Alemanha. Tinha bons motivos para hesitar. O ano de 2015 fora um divisor de águas. Um milhão de refugiados quase lhe custaram o cargo, de tão fortes que foram os abalos à CDU e à sua relação com o partido-irmão CSU (União Social Cristã).
Mas também era verdade que a chanceler virara uma espécie de "mãe coragem" em quase todos os setores políticos e sociais. Mesmo assim, a crise dos refugiados exigiu muita força de Merkel – o que é perceptível, por exemplo, no fato de ela ter recuado da sua frase "nós vamos conseguir" e ter ido ao encontro dos críticos.
No fim, o motivo que levou essa física de formação a arriscar um quarto mandato costuma ser explicado pela situação política fora da Alemanha. A eleição de Donald Trump, o Brexit e a crise da UE, o populismo de direita (que também encontra seguidores na Alemanha), Vladimir Putin e Recep Tayyip Erdogan – Merkel é vista como um polo de tranquilidade em tempos inseguros.
Aparentemente, Merkel apenas se decidiu a favor de uma nova tentativa em 9 de novembro de 2016, quando estava claro que Donald Trump havia vencido a eleição americana. Desde então, ela encarna o anti-Trump, com o devido reconhecimento internacional. O New York Times a definiu como "a última defensora poderosa da Europa" – transformando sua permanência no cargo em quase obrigação.
Uma questão de poder
Também pode ser que, por ser de confissão protestante, Merkel se sinta na obrigação de não abandonar o barco justo quando a situação piora. E seu marido, Joachim Sauer, teria dito que ser a primeira a deixar o cargo de chanceler por livre e espontânea vontade também é uma forma de vaidade.
No início de sua carreira política, Merkel também teria dito que não queria encerrar seu trabalho como "uma carcaça semimorta". Como ser racional que é, deve ter avaliado que se sente em forma para ocupar o cargo por mais quatro anos.
E ainda há o fator "poder", que teria desempenhado um papel importante na decisão. A própria Merkel contou a delegados da CDU, durante o congresso do partido em dezembro do ano passado, que inúmeros correligionários lhe teriam dito "você precisa fazer isso!", durante os meses em que ela considerou uma candidatura.
Apesar de o debate sobre a limitação do número de mandatos de chanceler federal volta e meia ganhar atenção na Alemanha, tudo indica que o fenômeno dos longos mandatos veio para ficar. A decisão de recolocar um chanceler no poder já é quase uma tradição: foram 13 anos para Konrad Adenauer, quase nove para Helmut Schmidt, outros 16 anos para Helmut Kohl e sete anos para Gerhard Schröder.
Assim, não é de se admirar que Merkel seja apenas a oitava ocupante do cargo de chanceler federal desde a criação da República Federativa da Alemanha, em 1949. Só como comparação: nestes 12 anos de Merkel, a Itália teve sete chefes de governo.