Matar aula pode render multa na Alemanha
24 de agosto de 2018Já fazia cinco anos que A. (*), de oito anos, não via a família brasileira, que organizava uma grande festa para comemorar os 70 anos da avó. A festa seria no dia 2 de janeiro, um dia antes da volta às aulas na Alemanha. A mãe R. sabia que faltar à escola na Alemanha é proibido e pode render uma multa administrativa de até 2.500 euros, dependendo do estado.
Na Alemanha, nenhuma criança pode estar fora da sala de aula sem justificativa. Os pais só podem viajar com os filhos em dia de aula se obtiverem o Schulbefreiung, uma autorização emitida pela direção da escola. Algumas exceções são em caso de morte de um familiar próximo ou de consulta médica importante.
Na véspera das férias de Pentecostes deste ano, em maio, a polícia alemã realizou uma operação nos aeroportos de Nurembergue e Memmingen para identificar famílias que estivessem viajando um ou dois dias antes, forçando os filhos a faltar à escola.
Durante a fiscalização aleatória, cerca de 20 famílias foram obrigadas a pagar a multa. Em muitos casos, as famílias recebem apenas uma advertência e, quase sempre, são liberadas para seguir viagem, mas a polícia pode ser mais rígida e levar a criança diretamente do aeroporto até a escola.
R. tentou por quatro meses conseguir uma reunião com a professora e a pedagoga para pedir a autorização especial, mas o pedido foi negado. A mãe seguiu, então, o conselho de outros pais que tiveram problemas semelhantes e conseguiu no Brasil um atestado médico falso. O que muitos fazem é arranjar um atestado alegando uma doença que obrigue o adiamento da viagem.
A filha A. voltou à escola no dia 5 de janeiro e perdeu três dias de aula. Quando a mãe foi até a direção apresentar a passagem original e a passagem trocada e o atestado, a escola já tinha enviado uma denúncia ao Schulamt, a autoridade de educação na cidade alemã onde ela mora. Além de entregar o comprovante de pagamento da passagem, a mãe teve que apresentar uma tradução juramentada do atestado médico.
Na Alemanha, a obrigatoriedade de frequência escolar é absoluta e não é uma responsabilidade exclusiva da família, mas do Estado. Não há flexibilidade das escolas quando o assunto é viagem para o exterior e perder um dia ou outro de aula. O argumento é que a criança irá perder matéria, poderá repetir de ano e não ser capaz de acompanhar as aulas com os demais colegas.
A responsabilidade do governo alemão sobre as crianças que estão na escola gera situações de paranoia e muitas críticas dos pais, que têm que encontrar todo o tipo de manobra para fazer viagens internacionais. Com passagens muito caras nas datas de início e fim das férias escolares, muitos ficam impossibilitados de viajar em família. Para R., foram meses de "terrorismo psicológico", descreve, sob a constante ameaça de ser multada.
(*) Os nomes foram alterados para preservar as identidades.
Na coluna Alemanices, publicada às sextas-feiras, Karina Gomes escreve crônicas sobre os hábitos alemães, com os quais ainda tenta se acostumar. A repórter da DW Brasil e DW África tem prêmios jornalísticos na área de sustentabilidade e é mestre em Direitos Humanos.
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