A estrela de Bucareste não brilha mais
12 de dezembro de 2014Ao visitar a página oficial do Steaua Bucareste, um dos mais tradicionais clubes de futebol da Romênia e vencedor da Copa dos Campeões da Europa de 1986, o torcedor mais desavisado pode ficar com a impressão de que está tudo em ordem.
Em cima, à esquerda, está o famoso escudo do clube, com suas três listras verticais em vermelho e duas em azul e uma estrela (steaua, em romeno) amarela no meio.
Embaixo, a tabela de classificação mostra o recordista de títulos romenos confortavelmente na liderança do campeonato nacional. A 26º conquista é mera formalidade, já que nenhum outro clube romeno pode ser considerado um sério concorrente do Steaua.
Mas, embora não pare de somar pontos nos gramados, o clube perdeu algo muito mais importante: o nome, o escudo e as cores. Pior: corre o risco de perder todos os títulos romenos e também o europeu de 1986.
A Suprema Corte da Romênia recentemente decidiu que o clube não possui o direito de usar a marca Steaua. Esta pertence exclusivamente ao Ministério da Defesa, que fundou o clube em 1947.
Fundado por militares, o clube inicialmente se chamava ASA Bucareste – Associação Esportiva Militar, em romeno. Com passar dos anos, e refletindo a situação política do país, os nomes foram sendo trocados. Virou CSCA (Clube Esportivo Central do Exército), depois CCA (Casa Central do Exército), seguindo para CSA Steaua (Clube Esportivo Militar Steaua).
A adição da "estrela" no nome se deve ao fato de que muito times militares na Europa Oriental adotaram ou eram criados com uma estrela vermelha em seus emblemas – uma clara alusão ao comunismo. Foi nessa fase que o Steaua conquistou o seu principal título, derrotando o o Barcelona, nos pênaltis, na final da Copa dos Campeões da Europa, em Sevilha, em 1986.
Separação dos militares
Mas, em 1989, veio a revolução romena e, consequentemente, a abertura política do país. A aliança com os militares durou até 1998, quando o clube se separou deles e realizou a última mudança de nome: FC Steaua Bucareste (Steaua Bucareste Futebol Clube), mantendo o "estrela".
"Na verdade, os antigos proprietários [o Exército romeno] estão fazendo algo que deveria ter sido feito há 25 anos com todas as marcas, e não apenas no esporte: protegê-las", comenta o jornalista romeno Cristian Stefanescu, em entrevista à DW. Para ele, o clube pode sobreviver à perda de seu nome e escudo.
Em sua última partida em casa, realizada no fim de semana passado, contra o CSMS Iasi, os jogadores do Steaua atuaram com o uniforme reserva – um amarelo neutro, sem relação com as cores originais do clube. O escudo nas camisas foi tapado com fita adesiva. E, no placar eletrônico, onde logo e nome do clube deveriam ser exibidos, apenas uma palavra: "mandante".
Os torcedores ficaram revoltados. "Nós somos Steaua", gritaram durante a partida. Mas, segundo Stefanescu, uma boa parte da comunidade futebolística na Romênia se regozija com a desgraça alheia. "Não devemos esquecer que tanto o Steaua como o seu maior rival, o Dínamo Bucareste, são produtos da ditadura comunista. Por muitos tempo eles foram comandados e financiados pelo Exército e pela polícia secreta Securitate, respectivamente. Foi assim que Exército e polícia dominaram a cena esportiva por décadas."
"O Exército quer dinheiro"
A batalha judicial não significa necessariamente o fim da marca Steaua, concordam os especialistas esportivos na Romênia. Para a lenda do tênis Ilie Nastase – ele mesmo um general do Exército –, os militares querem apenas arrecadar dinheiro com o direito de uso da marca.
"Tenho certeza que haverá um acordo, porque nesse conflito ninguém tem o que ganhar", argumenta. Uma linha de raciocínio defendida também pelo ex-treinador da seleção romena Anghel Iordanescu – também ele um general e considerado um amigo próximo do ministro do Interior, Gabriel Oprea.
No que foi interpretado como um gesto de boa vontade, a liderança militar permitiu, no começo desta semana, que o Steaua use o seu nome e suas cores nas duas últimas partidas de 2014. A imprensa local chegou a classificar o acordo como um "cessar-fogo". O primeiro jogo foi contra o Dínamo de Kiev, realizado nesta quinta-feira (11/12), pela Liga Europa.
Poder jogar com as próprias cores contra o Dínamo de Kiev teve um significado simbólico para os torcedores romenos. Nas última era dourada do Steaua, o clube romeno conquistou a taça da Supercopa Europeia justamente contra a equipe ucraniana, em 1986. Foi o último título internacional do Steaua. Desta vez, porém, os romenos perderam por 2 a 0 e foram eliminados da Liga Europa.
Neste domingo, o Steaua volta a enfrentar o CSMS Iasi, agora pela Copa da Romênia.
Proprietário polêmico
A era de glórias do Steaua é coisa do passado. O esplendor das décadas de 50 e 80 parece impossível de ser reconquistado. Entre os torcedores mais fiéis desses tempos áureos estava o ditador stalinista da Romênia, Nicolae Ceausescu, deposto e executado na revolução anticomunista, em dezembro de 1989.
Com a abertura da Cortina de Ferro, o caminho para a privatização do patrimônio do Estado foi liberado na Romênia. E isso incluía os clubes de futebol. O Steaua foi adquirido por um empresário de fama duvidosa: George "Gigi" Becali, que afirma ser o homem mais rico da Romênia e que até hoje é dono do clube.
Becali tentou até engatar uma carreira política, conseguindo se eleger a deputado para os parlamentos romeno e europeu. Acabou se destacando não pelas suas ideias políticas, mas pelos comentários homofóbicos e antissemitas. Ou com atitudes populistas, por exemplo quando pagou os custos de eletricidade no valor de 200 mil euros que cidadãos de um bairro de Bucareste deviam para o Estado.
Becali obteve a sua riqueza principalmente através da especulação financeira, incluindo uma controversa negociação de terras com o Ministério da Defesa. "Os dois lados que lutam pela marca Steaua já se conhecem muito bem", observou ironicamente Stefanescu. Um acordo, portanto, é possível. Mas as negociações têm um detalhe que as tornam um pouco complicadas: condenado por corrupção, o dono do Steaua está na cadeia.