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Matthew Herbert e o porco

5 de fevereiro de 2012

Matthew Herbert recria nos palcos alemães o polêmico disco "One pig", que conta a história de um porco do nascimento ao abate, através de sons e batidas eletrônicas. Álbum irritou organizações de direitos dos animais.

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Matthew Herbert documentou a vida de um porco, do nascimento a morteFoto: Accidental Records Ltd.

Mais do que um músico, o britânico Matthew Herbert é um artista cuja principal matéria-prima são os sons. Versátil, ele já trabalhou com cantoras pop como Björk e Róisín Murphy, além de ter lançado mais de uma dezena de discos das mais variadas vertentes da música eletrônica.

Sua versatilidade sonora vai do IDM ao pop, passando por big bands e techno. Herbert é também um dos pioneiros na utilização de sons reais e comuns em seu processo de composição, além de projetos com forte conotação política. Seu disco The Mechanics of Destruction foi feito a partir da destruição de embalagens do McDonald's e de camisetas da Gap, em protesto contra a globalização corporativa.

"Música é processo, é jornada e não somente o produto final. Está acontecendo uma grande transformação na música. Nos últimos quatro mil anos fomos impressionistas e tentamos imitar sons com instrumentos. Hoje podemos também ser documentaristas, transformar sons reais em música. Tento amplificar as coisas que vejo, criar uma hiper-realidade, ir além do que realmente podemos escutar", declarou o músico à DW Brasil, dias antes de retornar à Alemanha com o show do seu mais recente e polêmico álbum, One Pig.

"Música não é papel de parede"

O documentário sonoro da vida de um porco, do nascimento até o seu consumo, gerou polêmica e foi alvo da ira da organização de direito dos animais Peta, que condenou o disco antes do seu lançamento. "Meu objetivo é fazer as pessoas questionarem o significado da música, mesmo quando a discussão causada não gira em torno dela", disse Herbert.

Pressefoto Matthew Herbert
Música de Herbert vai do pop ao experimentalFoto: Accidental Records Ltd.

Com o tema do novo disco, Herbert abriu uma brecha para a discussão de assuntos como moral, direitos dos animais e política. "Fico feliz com o potencial e a coerência do disco porque estamos acostumados a tratar a música como decoração."

Segundo o artista, trabalhar com os sons relacionados ao porco foi fácil. "Já criei sons mais complexos, como 400 pessoas esfregando um preservativo no chão do British Museum, mas toda a atenção foi para o processo e não para o meu objetivo, que era discutir métodos anticoncepcionais", completou. 

Do nascimento à mesa

A ideia é simples: criar um disco com sons captados do nascimento até a morte do animal. Mas por que um porco? "Porcos dividem as pessoas. A carne deles tem valores diversos em diferentes culturas, mas o termo porco sempre tem uma conotação negativa. Achei que, com todo esse abuso, eles mereciam ter algum tipo de voz própria", respondeu o músico.

No disco, a trajetória do suíno é apresentada em diversas camadas eletrônicas. As primeiras faixas são mais calmas e retratam os primeiros meses de vida do animal, que coincidem com os últimos dias de verão. A música eletrônica ambiente cria uma tensão crescente.

Com a proximidade do inverno, o porco já está maior e é transferido para um alojamento metálico. A atmosfera criada pela música é mais sombria e agressiva, com resquícios de techno industrial e de witchhouse se misturando aos gritos do animal.

Pressefoto Matthew Herbert
Artista inglês se considera um documentarista de sonsFoto: Accidental Records Ltd.

Após a morte, quando está sendo fatiado, o som é cirúrgico, repetitivo e perturbador. Já o banquete é representado por um estranho e sombrio dubstep. O disco termina com uma canção de ninar, uma homenagem gravada na fazenda onde o porco viveu.         

O disco alterna momentos de histeria e suspense, sem nunca perder o clima. "Eu não tinha nenhum controle ou expectativa. Meu trabalho era documentar e com isso contar uma história e amplificar esse ruído. A verdade por trás desse disco é que tratamos os animais de uma maneira horrível", afirmou Herbert.

A escolha de um porco para as gravações foi aleatória. Herbert evitou qualquer tipo de envolvimento com o animal, como alimentá-lo, e preferiu não dar nome a ele. Uma de suas ideias na busca por sons era fazê-lo engolir e defecar um microfone, o que acabou sendo descartado pelos riscos à vida do porco.

Outro aspecto curioso é o diálogo que o disco cria entre os sons obtidos quando o porco ainda estava vivo e os sons criado após a morte dele, com instrumentos feitos com a pele, ossos e até o sangue do animal.

Pelas leis vigentes no Reino Unido, Herbert não foi autorizado a acompanhar o abatimento. Mesmo sem querer, o músico disse que acabou criando uma ligação com o animal e ficou triste ao receber a cabeça dele num saco plástico. Ele conta que comeu apenas um pequeno pedaço do porco no banquete organizado após o abatimento. Apesar de não ser vegetariano, Herbert disse não conseguir mais comer carne de porco depois de fazer o disco.  

Do chiqueiro aos palcos

Para recriar o disco nos palcos, Herbert levou adiante seu papel de documentarista de sons. Seu maior problema era que seu principal "instrumento", o porco, estava morto. Tudo o que restavam eram as gravações.

Pressefoto Matthew Herbert
Projeto que celebra a vida irritou organizações como a PetaFoto: Accidental Records Ltd.

A solução foi construir um instrumento que reproduza os sons do porco. "Criamos uma espécie de harpa-sintetizador. As cordas são acopladas a um sistema de videogame, que foi reprogramado para emitir os ruídos do porco”, disse Herbert. O sistema foi desenvolvido pelo músico e artista digital Yann Seznec, que "encarna" o porco no palco.

O show segue a narrativa do disco, o que facilitou a criação do elemento cênico. Quando Seznec deixa o chiqueiro, por exemplo, o porco está morto. Em seguida, um chefe entra no palco e começa a preparar o banquete com carne de porco.

Essa é a primeira vez que Herbert consegue levar um dos seus discos aos palcos sem usar bases pré-gravadas. A sobreposição de sons, efeitos, teclados e bateria é toda gerada no palco. "Para mim é uma grande libertação, que eu venho buscando há anos, ser capaz de fazer música eletrônica ao vivo e dessa maneira”, declarou.

Para Herbert o projeto é uma celebração da vida. "Tocar os sons do porco é também uma maneira de mantê-lo vivo", argumenta. Ele afirma ter ficado muito desapontado com a posição do Peta. "Eles ficam fascinados e inflamados com a morte, parece que eles são fixados na ideia que o animal é somente carne", disse.

Ele disse que fez o disco para tratar de temas relacionados à vida e à morte. “Nossa sociedade dá diferentes valores a vida dos seres humanos, de acordo com sua origem, classe, etnia e religião”, lamentou o músico.  

A turnê alemã de Matthew Herbert apresenta 'One Pig' começa no dia 5 de fevereiro em Leipzig e passa por Heidelberg, Berlim e Hamburgo. 

Autor: Marco Sanchez
Revisão: Alexandre Schossler