Longas noites de cultura e lazer
21 de outubro de 2005Neste sábado (22/10) muita gente não vai pregar olho em duas cidades às margens do Rio Reno. Só que por excelentes motivos: em Colônia transcorre a Musiknacht (Noite da Música), sob o slogan "Colônia soa bem", enquanto Bonn tem sua primeira Kulturnacht, nova versão da já tradicional Longa Noite dos Museus.
Já faz alguns anos que as "longas noites" se tornaram parte inalienável da vida cultural alemã. Berlim, Bonn, Colônia, Düsseldorf, Frankfurt, Hamburgo, Hannover, Leipzig, Munique, Stuttgart: nenhuma cidade de um certo porte pode mais deixar de – até várias vezes ao ano – promover sua cena cultural em forma de uma maratona noturna. Segundo pesquisa recente, realizam-se 120 longas noites dos museus, em todo o país.
Iscas culturais
Quer os organizadores coloquem em foco museus, música ou teatro, a receita básica da "longas noites" é a mesma: comprando um único ingresso relativamente módico, os visitantes têm acesso livre a uma ampla gama de locais de cultura durante toda uma noite, em geral das 20 horas às três da manhã.
Assim, têm a oportunidade de "beliscar" (ou "farejar", como dizem os alemães) a programação de museus e casas de espetáculo onde – em condições e a preços normais – talvez jamais houvessem colocado os pés.
Se a experiência for positiva, está cumprida a finalidade da "longa noite": transpôs-se a barreira do desconhecido, despertou-se curiosidade, e o visitante possivelmente voltará, para assistir a peça até o fim ou admirar com calma a exposição. E a cultura ganhou mais um adepto.
Fruto da brasilianização?
Um fenômeno que certamente merece uma análise detalhada, a febre das "longas noites" começou a se espalhar pela Alemanha na década de 1990, possivelmente a partir de Berlim. Seu pendant francês são as Nuit Blanches de Paris, enquanto Amsterdã promove a museums-n8.
O analista econômico Helmut Höge, do jornal Tageszeitung, é impiedosamente preciso em sua cronologia: segundo ele, o fenômeno nasceu em Berlim em 1993, "simultaneamente com a 'brasilianização' neoliberal [!]". Cáustico, ele atribui a "avalanche de longas noites" aos esforços malignos de uma toda-poderosa agência de turismo berlinense.
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O poder do ingresso mágico
Mas – como nem tudo tem que ser globalização e cinismo –, para quem se permite o prazer, pode ser uma experiência inesquecível participar de uma longa noite de cultura e arte.
Independente do programa selecionado, ao se vaguear pelas ruas estranhamente repletas, vibra no ar um misto de excitação e cumplicidade entre os portadores do ingresso mágico: é o prazer cultural entre a liberdade absoluta e a compulsão consumista.
Para garantir a mobilidade até altas horas da madrugada, durante as longas noites ônibus shuttle transportam gratuitamente os amantes noturnos da cultura de um extremo a outro da cidade.
Fomento à identidade
No caso da Meiers Lange Nacht der Museen, em Mannheim, Ludwigshafen e Heidelberg, todo o sistema de transporte intermunicipal "faz serão", entre essas três cidades na confluência dos rios Reno e Neckar.
Com o slogan "Esta noite pertence à arte. Esta noite pertence à ciência, à história e à arquitetura", os organizadores definem seu evento como "formador de identidade" regional, merecendo ser mantido a longo prazo e ter garantida sua ressonância junto ao público através de medidas de marketing.
Programação especial atrai público
Embora a finalidade principal das "longas noites" seja chamar a atenção para produtos culturais já existentes, criatividade é o que não falta na confecção de atrações especiais para o público.
Assim pode-se ter a chance única de assistir a um concerto de música balinesa tradicional dentro de um museu antropológico, deliciar-se com as conexões entre pintura e culinária ou visitar misteriosas catacumbas, normalmente vedadas ao público.
O programa da atual Kulturnacht de Bonn inclui, por exemplo, um concerto dedicado às obras humorísticas de Beethoven, em que o público é convidado a também cantar cânones do nobre filho da cidade. A Musiknacht de Colônia oferece tanto música antiga e eletroacústica quanto um programa inédito para os fãs de Frank Zappa, ou uma surpreendente mescla de nujazz e música persa.
Proliferação inifinita das longas noites
Mas tem gente que nunca está satisfeita. No mesmo artigo, Höge execra a proliferação infinita do fenômeno "longa noite", a seu ver, fruto da fatídica política econômica do governo alemão:
"No meio tempo já temos a 'longa noite das lojas de ferragens', 'dos shoppings', 'do futebol', 'da dança', 'das estrelas', 'da coalizão de governo rubro-verde', 'dos sons eletrônicos', 'da literatura', 'da defesa do consumidor', 'do crédito rápido', 'do aconselhamento financeiro', 'dos bares de hotel', 'do hambúrguer turco', 'do verão', e assim por diante."
Sim, mas... e daí? Quem é que vai perder o sono com essa advertência? Os muitos notívagos da Alemanha é que certamente não. Muito pelo contrário!