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Linguagem é uma questão de 'hardware'

Augusto Valente8 de julho de 2003

Neurologistas da Universidade de Hamburgo comprovaram uma tese defendida há 40 anos por diversos lingüistas: a capacidade de falar está localizada numa estrutura cerebral.

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O cérebro oculta os segredos da linguagemFoto: AP

Na década de 1960, o lingüista e filósofo norte-americano Noam Chomsky propôs a teoria da gramática universal. Segundo esta, o ser humano já nasce com um conjunto de regras de linguagem "embutido" na anatomia do cérebro. Por isso, as crianças são capazes de formular as regras gerais do idioma que estão aprendendo, com base em apenas poucas frases.

Em última análise, isso é o que permitiria ao ser humano aprender qualquer língua. Chomsky opunha-se assim às teorias de que a linguagem seria um fenômeno basicamente social. Segundo ele, se nascêssemos como uma "folha em branco" lingüística, seria impossível aprender um número ilimitado de frases. A aquisição de linguagem através do contato não permitiria o tipo de comunicação inerente aos humanos.

Noam Chomsky
Noam ChomskyFoto: AP

Chomsky vai mais longe: sem um substrato inato, a única comunicação possível seria entre dois gêmeos idênticos, que houvessem vindo à luz simultaneamente. E ainda assim haveria discrepâncias. Antes dele, o biólogo e pai da Teoria da Evolução Charles Darwin já definira a linguagem como um instinto humano, comparável à postura ereta.

Agora a ciência está mais próxima de poder comprovar a tese de Chomsky e entender melhor as bases anatômicas da linguagem, graças ao experimento realizado por um grupo de neurologistas da Universidade de Hamburgo e publicado pela revista científica online Nature Neuroscience.

Regras reais ou arbitrárias

Outros estudos já haviam demonstrado a relação entre atividades na chamada região de Broca, no lóbulo frontal, e tarefas relativas à linguagem e à música. A equipe encabeçada por Mariacristina Musso e Cornelius Weiller partiu do pressuposto de que o hardware para a linguagem estaria localizado nesta área do cérebro. Para verificar essa hipótese, examinou dois grupos, de respectivamente 12 e 11 alemães. O primeiro, que nunca tivera contato com qualquer língua românica, recebeu a tarefa de aprender seis supostas regras gramaticais do italiano, das quais três eram entretanto falsas.

Segundo uma destas, a forma negativa da oração Paolo mangia la pera (Paolo come a pêra) seria Paolo mangia la no pera (Paolo come a não pêra). Já a regra falsa relativa à interrogação produzia: Pera la mangia Paolo? (e não Paolo mangia la pera?). O segundo grupo de "cobaias" tinha tarefas análogas, porém referentes ao japonês. Como no primeiro caso, nenhum dos examinandos tinha qualquer noção do idioma.

A sede da gramática universal

Ein Gehirn
Cérebro humanoFoto: AP

A tomografia de ressonância magnética nuclear confirmou a hipótese de trabalho dos neurologistas da Universidade de Hamburgo. Durante o aprendizado e aplicação das regras reais, registrou-se uma atividade elétrica consideravelmente maior na região de Broca, como esperado. Sendo essas normas condizentes com a gramática universal, elas já estariam armazenadas nas estruturas neurológicas correspondentes. Em contrapartida, o ato de assimilar regras lingüísticas arbitrárias envolveu maior atividade em outras regiões do cérebro.

Como revelou Cornelius Weiller à DW-WORLD, o dom lingüístico é exclusivo dos seres humanos: "Macacos e outros animais conseguem imitar e compreender letras, gestos e talvez palavras isoladas. Isso, porém, não se converte numa linguagem". Psicólogos da Universidade de Nova York ressalvam que, antes que a região de Broca seja reconhecida como substrato neurológico da gramática universal, é preciso descartar explicações alternativas.

O estudo de Hamburgo foi empreendido inicialmente com finalidades terapêuticas. Musso, Weiller e seus colegas esperam poder ajudar pacientes que sofreram danos cerebrais a recuperar suas faculdades lingüísticas.